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quinta-feira, abril 18, 2024

Disco genético de 6.000 anos foi descoberto durante escavação arqueológica na Colômbia?

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Através de nosso grupo, no Facebook, recebemos uma sugestão de pauta: um suposto “disco genético” de 6.000 anos de idade que teria sido encontrado na Colômbia.

Segundo a publicação que originou o questionamento (arquivo), o artefato seria um dos mais misteriosos do mundo, teria 27 cm de diâmetro, pesaria cerca de 2 kg, seria feito de um mineral chamado de “lidita”, e contaria com ilustrações do desenvolvimento intrauterino de um ser humano em todas as suas etapas. O disco mostraria espermatozóides, óvulos, embriões etc.

Além disso, também teria sido feito um estudo, que teria corroborado com todas essas alegações.

Publicação datada de julho de 2019 no Facebook.

Desde então a publicação, datada de julho de 2019, já obteve mais de mil compartilhamentos!

Entretanto, será que a história por trás desse artefato é realmente verdadeira? Descubra agora, aqui, no E-Farsas!

Verdadeiro ou Falso?

Falso! Em primeiro lugar, não há nenhum estudo apontando que esse artefato tenha 6.000 anos, tampouco tenha pertencido a qualquer civilização do passado. Em segundo lugar, o disco não é feito de lidita. Por último, mas não menos importante, o responsável por trazê-lo à tona, um colombiano chamado Jaime Gutiérrez Lega, nunca apresentou nenhuma prova da origem do material, onde exatamente o encontrou (ou de quem comprou), quaisquer análises de centros ou institutos de Arqueologia ou Antropologia, que corroborassem com essa narrativa.

Na verdade, o único relato de análise que temos aponta justamente para o oposto. E, para que vocês possam entender melhor sobre essa história, vamos destrinchá-la a seguir.

Quem é Jaime Gutiérrez Lega?

Jaime Gutiérrez Lega é um desenhista industrial e arquiteto colombiano. Ele não tem nenhuma formação acadêmica em Arqueologia ou Antropologia, mas isso não o impediu de participar de palestras, conferências e documentários sobre supostos artefatos antigos, que alguns sites alegam terem sido descobertos “nas proximidades” de Bogotá, capital da Colômbia.

Confira abaixo um antigo documentário chamado “Die Welt des Unerklärlichen” no qual Jaime apresentou esse disco:

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Assim como uma palestra onde ele comentou sobre o artefato em setembro de 2013:

Disco de 10 Milhões de Anos?

A palestra de 2013 é interessante, porque Jaime afirmava que havia inúmeras análises e fotos sobre esse disco, uma vez que artefato era mundialmente famoso. Ele disse que algumas pessoas lhe davam razão, mas outros o chamavam de louco. Para comprovar o que ele dizia, no entanto, bastava entrar na internet e pesquisar sobre isso. Durante a palestra, Jaime chegou a alegar, sem apresentar nenhum estudo, que o artefato teria 10 mil anos. Logo em seguida “ele se corrigiu”, e disse que teria 10 milhões de anos.

Curiosamente, quase sete anos depois, não há praticamente nada sobre esse disco. Não há, por exemplo, nenhuma análise mostrando que o artefato é autêntico e antigo, tampouco que mostra o desenvolvimento intrauterino de um ser humano em todas as etapas.

Jaime Gutiérrez Lega “Não Faz a Menor Ideia” da Origem do Disco

Numa outra conferência anterior que Jaime participou (1, 2), ele alegou que não foi o responsável por encontrar esse disco, mas que teria comprado de huaqueros.

E aqui mora um enorme problema, porque um huaquero nada mais do que um termo utilizado para definir caçadores de relíquias arqueológicas, que na prática não passam de saqueadores. Isso quer dizer que o artefato é verdadeiro? Não! Os huaqueros frequentemente vendem artefatos falsos, simplesmente criados para ter uma aparência antiga e serem comercializados como se fossem autênticos. Portanto, sem uma análise mais aprofundada do material e sem saber de onde exatamente ele foi extraído (ou se foi criado para se passar como autêntico), não há nenhum contexto credível a ser explorado.

Diga-se de passagem, toda essa história de mostrar ilustrações do desenvolvimento intrauterino de um ser humano partiu única e exclusivamente da cabeça e da imaginação de Jaime Gutiérrez Lega. Ele já alegou, com um falso ar de autoridade, que por ser desenhista industrial ele teria capacidade técnica para fazer tal avaliação.

Enfim! E isso nos leva a um homem chamado Klaus Dona.

Quem é Klaus Dona?

Klaus Dona é um cidadão austríaco, que se apresenta como um “arqueólogo espiritual”. O que viria a ser isso? Seria uma espécie de estudioso das origens espirituais das culturas antigas e de um significado mais profundo por trás das evidências materiais. Em outras palavaras, pseudociência ou embuste, o que vocês preferirem.

Apesar da autodefinição pomposa, Klaus Dona não tem nenhuma formação acadêmica em Arqueologia ou Antropologia. Em seu verbete na Wikipédia alemã, Klaus é definido como um organizador de exposições e escritor de obras pseudocientíficas. Ele, inclusive, acredita ter como provar a existência de uma civilização antiga e global que, entre outras coisas, teria construído as primeiras pirâmides.

O delírio de Klaus Dona é tão grande, que ele já alegou possuir ossos de gigantes que teriam habitado a Terra, e que teriam medido quase 8 metros de altura. E, antes que vocês acreditem, não, gigantes não existiram, mas isso é conversa para outro artigo.

Apesar da autodefinição pomposa, Klaus Dona não tem nenhuma formação acadêmica em Arqueologia ou Antropologia.

Klaus Dona alega ter sido curador de arte da Habsburg Haus (“Casa de Habsburgo”). E isso é interessante porque a “Casa de Habsburgo” não é um museu ou uma galeria de arte, mas o nome de uma família nobre europeia que foi uma das mais importantes e influentes da história da Europa do século XIII ao século XX. Simplesmente não faz sentido!

Enfim! Mesmo mentindo sobre ter sido curador de arte de um lugar que não existe, isso não o impediu de dar palestras e aparecer em vídeos, com ar de autoridade, para disseminar suas teorias infundadas sobre diversos artefatos, entre eles o tal “disco genético de 6.000 anos”.

Um exemplo disso é uma conferência que ele participou sobre “História Oculta” em Sarajevo, capital da Bósnia e Herzegovina, em 2014:

Qual a Participação de Klaus Dona Nessa História?

Aparentemente, os caminhos de Jaime Gutiérrez Lega e Klaus Dona se cruzaram no início dos anos 2000, quando o “disco genético” figurou numa exposição do Museu de História Natural de Viena, na Áustria.

Diversos sites que abordaram esse assunto (1,2,3) citaram que o artefato teria sido analisado por uma especialista chamada Vera M. F. Hammer, amplamente citada como geóloga. De alguma forma, ela teria conseguido datar o disco e, aparentemente, o atribuiu à cultura pré-colombiana do povo Muísca.

Aparentemente, os caminhos de Jaime Gutiérrez Lega (na foto) e Klaus Dona se cruzaram no início dos anos 2000, quando o “disco genético” figurou numa exposição do Museu de História Natural de Viena, na Áustria.

O problema, mais uma vez, é que não existe nenhum estudo ou análise da Dra. Vera M. F. Hammer nesse sentido, muito pelo contrário.

Com a Palavra, a Dra. Vera M. F. Hammer

Há alguns anos o site “ArchyFantasies” entrou em contato com a Dra. Vera Hammer, que é uma minerologista e curadora do Departamento de Mineralogia e Petrografia do Museu de História Natural de Viena desde 1992.

Eis o que ela disse:

No ano de 2001, fui convidada pelo Sr. Klaus Dona, que foi responsável pela exposição ‘Mistérios não resolvidos’, que ocorreu naquele mesmo ano em Viena, para fazer uma análise de difração de raios-X (DRX) de alguns dos objetos expostos. A maioria dos objetos incluía materiais novos, e eu disse que eram falsos, mas isso não aquilo que ele queria ouvir. Até outros cientistas do nosso museu disseram aos proprietários, e ao Sr. Klaus Dona, que todos esses objetos não eram o que eles acreditavam ser. Alguns eram meramente curiosidades naturais e outros eram compostos por material moderno, que você poderia comprar em qualquer lojinha para turistas. De qualquer forma, nosso comentário sobre o chamado ‘disco genético’ foi apenas que ele consiste em feldspato, quartzo e mica, o que foi comprovado por DRX.

Meu ex-diretor, que era petrólogo, disse que a rocha poderia ser lidita ou um produto artificial feito com esses minerais. Nunca classifiquei o disco ou qualquer outro desses objetos em um período cultural em particular ou dei qualquer declaração sobre a idade, uma vez que não é da minha competência. Então, essa foi a única informação que demos, nada além disso! Toda interpretação de símbolos e sinais, idade ou qualquer outra coisa veio da cabeça do proprietário e/ou do responsável pela exposição! Não havia nenhum autor no catálogo sobre ‘Mistérios não resolvidos’. Portanto, não sei quem escreveu toda essa bobagem!

De Onde Vem a Suposta “Credibilidade” de Klaus Dona?

A suposta credibilidade de Klaus Dona vem apenas da crença cega daqueles que, por seus próprios vieses, querem acreditar naquilo que ele fala, e ignoram alguns detalhes básicos. Klaus Dona, por exemplo, nunca deu nenhuma evidência científica, arqueológica ou antropológica que sustentasse tais alegações sobre o disco. Absolutamente nada.

Em seu antigo site, Klaus disse:

Os geólogos da Universidade de Bogotá datam da época pré-histórica. Os exames mais recentes não conseguiram encontrar evidências de falsificação. A estranha descoberta poderia vir de uma cultura avançada perdida? O conhecimento deles era igual ao nosso?

Contudo, ele nunca citou o nome dos tais geólogos ou apresentou quaisquer análises. Tudo leva a crer, portanto, que isso não passou de uma invenção de Klaus Dona em cima da narrativa anteriormente propagada por Jaime Gutiérrez Lega.

Conclusão

Falso! Em primeiro lugar, não há nenhum estudo apontando que esse suposto artefato tenha 6.000 anos, tampouco tenha pertencido a qualquer civilização do passado. Em segundo lugar, o disco não é feito de lidita. Por último, mas não menos importante, o responsável por trazê-lo à tona, um colombiano chamado Jaime Gutiérrez Lega, nunca apresentou nenhuma prova da origem do material, onde exatamente o encontrou, e quaisquer análises de centros ou institutos de Arqueologia ou Antropologia, que corroborassem com essa narrativa.

Além disso, tanto Jamie quanto Klaus Dona, um outro personagem altamente questionável dessa história, nunca apresentaram nenhuma evidência científica, arqueológica ou antropológica que sustentasse tais alegações sobre o disco. Na verdade, toda essa história de mostrar ilustrações do desenvolvimento intrauterino de um ser humano partiu única e exclusivamente da cabeça e da imaginação de Jaime Gutiérrez Lega.

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Marco Faustinohttp://www.e-farsas.com/author/marco
Jornalista e colaborador do site de verificação de fatos E-farsas entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020. Entre junho de 2015 e abril de 2018, trabalhei como redator do blog AssombradO.com.br, além de roteirista do canal AssombradO, no YouTube, onde desmistificava todos os tipos de engodos pseudocientíficos e casos supostamente sobrenaturais.

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5 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns! Mais um esclarecimento desmistificando uma baboseira, que só os incautos acreditam. Por isto que todas a vezes que recebo artigos que parece engodo eu recorro a este conceituado site.

  2. Olá, Marco Faustino. Parabéns pelo texto, bem elaborado, demonstrando pesquisa séria. Sou arqueólogo (devidamente formado) e, trabalhando na Amazônia, tenho conhecimento das atividades dos huaqueros, que, como você esclareceu, não apenas vendem objetos falsificados (às vezes, enterram de propósito, para simular autenticidade) como também vendem objetos arqueológicos legítimos, o que é crime em muitos países.
    Infelizmente, há muitas pessoas que se auto-intitulam arqueólogos, mas que disseminam informações sem qualquer embasamento científico. E o que é pior é que muitos acreditam nessas pessoas e criticam os arqueólogos que procuram mostrar dados verdadeiros.

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