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quinta-feira, março 28, 2024

Frase sobre libertação de escravos pertence a abolicionista Harriet Tubman?

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Harriet Tubman disse “Libertei mil escravos. Podia ter libertado outros mil se eles soubessem que eram escravos“?

Para quem não sabe, Harriet Tubman foi uma abolicionista norte-americana que viveu entre os séculos XIX e XX. Ela escapou da escravidão, liderou missões para libertar escravos e ajudou o Exército da União, durante a Guerra Civil Americana, trabalhando como espiã! Seu rosto foi cogitado em 2016 para ser estampado na nota de 20 dólares, mas no ano seguinte essa ideia foi, ao menos temporariamente, descartada.

E, numa época onde a discussão sobre o racismo aflorou nas ruas e nas redes sociais, uma frase atribuída a Harriet Tubman voltou a ser disseminada nas redes sociais. Um exemplo disso foi a publicação da “ConheCIÊNCIA” – uma página pretensamente destinada a divulgação científica no Facebook – realizada ontem, dia 15 de junho de 2020 (arquivo):

Publicação da página “ConheCIÊNCIA” no Facebook.

Uma Disseminação de Longa Data

No entanto, a frase atribuída a Harriet Tubman não começou a ser disseminada recentemente, visto que ela vem sendo propagada há anos nas redes sociais.

No próprio Facebook encontramos publicações de outros perfis, páginas e comunidades datadas de 2013 (página “Geração de Valor”), 2018 (página “Budista Engajado”), e março deste ano (comunidade “Darpano”).

Publicação da comunidade “Darpano” no Facebook.

Publicação da página “Budismo Engajado” no Facebook.

A frase já foi propagada, inclusive, pelo rapper brasileiro Emicida em junho de 2014 (arquivo)!

Tuíte do rapper Emicida.

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Entretanto, será que essa frase foi realmente dita ou escrita por Harriet Tubman? Descubra agora, aqui, no E-Farsas!

Verdadeiro ou Falso?

Falso! Não há nenhuma evidência de que a frase tenha sido dita ou escrita por Harriet Tubman! Embora ela não soubesse ler ou escrever, não há nenhuma documentação ou qualquer base histórica que possa corroborar com tal citação. Todos os principais historiadores, que já pesquisaram ou estudaram profundamente a vida de Harriet Tubman, concordam que a citação é falsa e foi meramente inventada em algum momento da linha do tempo.

Em 2008, essa citação foi disseminada como autêntica por uma escritora feminista dentro de um texto enviesado politicamente. Desde então, a frase passou a ser disseminada avidamente propagada nas redes sociais. Assim como mencionado por uma agência de checagem chamada “African Check”, a frase é um insulto as pessoas que foram e ainda são de alguma forma escravizadas e a própria Harriet Tubman.

A Origem da Desinformação: A Militância Travestida de Informação

Conforme dissemos anteriormente, toda essa desinformação começou quando a escritora feminista Robin Morgan publicou a segunda parte de um ensaio (trabalho literário) chamado “Good-bye to All That” em fevereiro de 2008 (arquivo). Diga-se de passagem a primeira parte desse ensaio havia sido publicada em 1970!

Essa segunda parte não foi escrita aleatoriamente, visto que surgiu como suporte a candidatura de Hillary Clinton durante as primárias do Partido Democrata para a eleição presidencial daquele ano. No texto, Robin basicamente desafiava mulheres que não faziam o mesmo que ela.

Eis o que Robin mencionou num trecho do texto:

Adeus às mulheres de qualquer idade novamente se sentindo indignas, amuadas ‘e se ela não for elegível?’ ou ‘talvez seja pós-feminismo, já estamos livres”. Deixo com vocês uma declaração da magnífica Harriet Tubman como resposta. Quando perguntada sobre como ela conseguiu salvar centenas de afro-americanos escravizados através da Estrada de Ferro Subterrânea durante a Guerra Civil, ela respondeu amargamente: ‘Eu poderia ter salvo milhares – se tivesse conseguido convencê-los de que eram escravos’

Sem Base Histórica: A Frase foi Totalmente Inventada

Robin Morgan apresentou a frase como se fosse autêntica, mas isso foi rapidamente questionado por diversos historiadores.

A Análise de Milton Sernett

Milton Sernett é professor emérito de História e Estudos Afro-Americanos na Escola Maxwell da Universidade de Siracusa, em Nova York! Eis, o que ele disse num artigo publicado pela própria escola:

Minha impressão é que essa é uma citação do final do século XX de um relato ficcional da vida de Tubman. Aqueles que querem usar uma citação duvidosa para impressionar politicamente devem citar uma fonte confiável“,

É interessante destacar que, embora Harriet Tubman seja uma heroína norte-americana, sua história de vida está envolta numa série de mitos e exageros. Quem quiser saber maiores detalhes sobre a vida de Tubman, vale a pena conferir o livro: “Harriet Tubman: Myth, Memory, and History“, de autoria do Milton Sernett.

A Análise de Kate Clifford Larson

Kate Clifford Larson é uma historiadora norte-americana, que escreveu uma biografia de Tubman intitulada “Bound for the Promised Land” em 2003. Ela também atua como consultora do Estudo de Recursos Especiais de Harriet Tubman do Serviço Nacional de Parques, e atua no conselho consultivo do Contexto Histórico da Estrada de Ferro Subterrânea, no estado norte-americano de Delaware.

Ela é categórica em taxar essa citação como FALSA:

Essa citação foi totalmente inventada e popularizada a partir da década de 1990. Não há documentação, nem base histórica para esta citação

Ao ser consultada por um outro historiador sobre essa frase, eis o que ela disse:

Creio que essa frase é particularmente peculiar e, na minha opinião, bem racista

A Análise do Dr. W. Caleb McDaniel

O Dr. W. Caleb McDaniel é um historiador focado na escravidão, abolicionismo, reforma transatlântica e os Estados Unidos do século XIX. Ele é professor assistente na Universidade de Rice, em Houston, no Texas.

Neste ano de 2020, Daniel ganhou o Prêmio Pulitzer de História pelo seu livro “Sweet Taste of Liberty: A True Story of Slavery and Restitution in America“.

Eis o que ele disse em 2016 sobre a FALSA citação atribuída a Harriet Tubman:

Os historiadores modernos sabem a verdade: as pessoas escravizadas resistiram à sua condição de inúmeras maneiras, grandes e pequenas. Se elas não foram capazes de alcançar a liberdade, não foi porque elas não a queriam ou porque (como a citação falsa de Tubman mencionaria) elas ‘não sabiam que eram escravos’. Foi porque forças poderosas estavam dispostas contra elas. A ideia de ‘consentimento tácito’ desviou a atenção desse fato.”

A Preocupação de McDaniel

Eu me preocupo que a citação falsa de Tubman possa ter o mesmo efeito ‘arenque vermelho‘ nas conversas sobre o tráfico moderno. Incentiva os ativistas que citam e leem a acreditar que a única coisa que existe entre os escravos modernos e a liberdade é o conhecimento, autoconsciência, educação e disposição para discordar ativamente. Mas o corolário aproxima-se desconfortavelmente da ideia paternalista de que aqueles que de alguma forma ‘escolhem’ não serem libertados ou não ‘sabem’ que são escravos devem concordar tacitamente com sua própria exploração.

É agradável pensar que o único obstáculo que os abolicionistas enfrentam é a ‘falsa consciência’ por parte das pessoas traficadas. Infelizmente, essa ideia pode incentivar os verdadeiros crentes na citação a subestimar o poder e a complexidade das forças colocadas contra elas hoje

A Análise de Fergus Bordewich

Fergus Bordewich é um historiador e autor do livro “Bound for Canaan: The Underground Railroad and the War for the Soul of America“.

Eis o que ele disse sobre esse caso:

Isso não é autêntico. Tubman libertou menos de cem escravos e não era uma pessoa orgulhosa. Esse não é o tipo de linguagem de Tubman

O Desafio Proposto por Ralph Luker

Ralph Luker (1 de março de 1940 – 8 de agosto de 2015) foi um historiador, professor e autor de vários livros sobre raça, religião e Movimento dos Direitos Civis.

Poucos dias após a publicação do ensaio de Robin Morgan, ele a desafiou, em caráter irônico, a apresentar a fonte da citação:

O que vocês não fizeram, é claro, foi desafiar Robin Morgan a fazer uma coisa: citar uma fonte primária para o que ela colocou entre aspas. Ou, citar um contemporâneo de Tubman, atribuindo essas palavras a Tubman. Ou, citar uma fonte primária para essa alegação mesmo como uma paráfrase que não deve estar entre aspas. Sua maneira de fazer história, aparentemente, nos permitiria atribuir, entre aspas, palavras a uma figura histórica cuja atitude achamos que podemos afirmar por elas. Vocês nos perdoarão se alguns de nós aceitarmos a palavra de duas autoridades que passaram anos com as fontes primária e secundária de Tubman; e ignorarmos seus dois dias ou três minutos com a Wikipédia.

Conforme era de se esperar, Robin Morgan não apresentou a fonte.

Harriet Tubman Libertou Pessoalmente Mil Escravos?

Não! Em encontros realizados nos anos de 1858 e 1859, Tubman repetidamente disse que havia resgatado pessoalmente entre 50 a 60 pessoas da escravidão. Portanto, ela nunca teria dito que “libertou mil escravos”.

Os historiadores acreditam que ela tenha libertado, diretamente entre 70 e 90 escravos, embora mais possam ter se libertado com a ajuda de instruções, que ela deixava para trás.

Um Detalhe que Chama a Atenção

Um detalhe que nos chama atenção é que essa é a oitava vez desde dezembro de 2019 (terceira vez somente nesse mês de junho), que a página “ConheCIÊNCIA” foi flagrada disseminando conteúdo falso, enganoso ou descontextualizado. Clique aqui para conferir as outras sete vezes.

Conclusão

Falso! Não há nenhuma evidência de que a frase tenha sido dita ou escrita por Harriet Tubman! Embora ela não soubesse ler ou escrever, não há nenhuma documentação ou qualquer base histórica que possa corroborar com tal citação. Todos os principais historiadores, que já pesquisaram ou estudaram profundamente vida de Harriet Tubman, concordam que a citação é falsa e foi meramente inventada em algum momento da linha do tempo.

Em encontros realizados nos anos de 1858 e 1859, Tubman repetidamente disse que havia resgatado pessoalmente entre 50 a 60 pessoas da escravidão. Portanto, ela nunca teria dito que “libertou mil escravos”. No entanto, os historiadores acreditam que ela tenha libertado, diretamente, entre 70 e 90 escravos.

Em 2008, essa citação foi disseminada como autêntica por uma escritora feminista dentro de um texto enviesado politicamente. Desde então, a frase passou a ser avidamente propagada nas redes sociais. Assim como mencionado por uma agência de checagem chamada “African Check”, a frase é um insulto as pessoas que foram e ainda são de alguma forma escravizadas e a própria Harriet Tubman.

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Marco Faustinohttp://www.e-farsas.com/author/marco
Jornalista e colaborador do site de verificação de fatos E-farsas entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020. Entre junho de 2015 e abril de 2018, trabalhei como redator do blog AssombradO.com.br, além de roteirista do canal AssombradO, no YouTube, onde desmistificava todos os tipos de engodos pseudocientíficos e casos supostamente sobrenaturais.

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15 COMENTÁRIOS

  1. KKKKKKKKKKKKK! 😀 Parece que o canal FAJUTO do “ConheCIÊNCIA” do Facebook DELETOU a postagem, por que será, heim!? 😉 É por isso que é preciso consultar, verificar, checar, comparar ou obter informações em fontes confiáveis/fidedignas, especialistas na área (de preferência na forma de consenso científico), e em livros e artigos educacionais ou científicos CERTIFICADOS! Imaginem só fazer um trabalho escolar, de colégio, faculdade, mestrado, doutorado, pós-doutorado etc baseado nesses supostos dados SEM CHECAR A VERACIDADE e/ou as FONTES e ser DESMENTIDO mais tarde? Seria vergonhoso ou humilhante! 😉 KKKKKKKKKKKKK! 😀

  2. O texto fala que Tubman viveu entre os séculos XIV (14) e XX (20). Como?
    “Para quem não sabe, Harriet Tubman foi uma abolicionista norte-americana que viveu entre os séculos XIV e XX.”

  3. O canal do Facebook “conheCIÊNCIA”, além do pretenso nome, propõe-se na descrição ser um canal de Ciência, Humor, Entretenimento etc. É possível fazer tudo isso ao mesmo tempo? Resposta: SIM! Um exemplo é o canal do YouTube “Nerdologia” com a participação do Átila Iamarino, o “Canal O Mundo de Beakman” voltada principalmente para crianças, Pirulla, etc (links abaixo). Só que tem alguns probleminhas: você tem que ter um mínimo de formação, experiência, conteúdo, alinhamento, coerência etc científico e, o mais importante, não pode criar MENTIRAS, BOATOS, HOAXES, COISAS DUVIDOSAS, FAKE NEWS etc em suas postagens e/ou matérias. É difícil de entender isso? 😐 KKKKKKKKKKKKKKKKKK! 😀

    https://www.youtube.com/watch?v=HNqJ4JmSUb4

    https://www.youtube.com/user/nerdologia/videos

    https://www.youtube.com/channel/UCD5GvikL_gn9EhKMXGLMHMQ/videos

  4. KKKKKKKKKKKKK! 😀 Parece que o canal FAJUTO do “ConheCIÊNCIA” do Facebook DELETOU a postagem, por que será, heim!? 😉 É por isso que é preciso consultar, verificar, checar, comparar ou obter informações em fontes confiáveis/fidedignas, especialistas na área (de preferência na forma de consenso científico), e em livros e artigos educacionais ou científicos CERTIFICADOS! Imaginem só fazer um trabalho escolar, de colégio, faculdade, mestrado, doutorado, pós-doutorado etc baseado nesses supostos dados SEM CHECAR A VERACIDADE e/ou as FONTES e ser DESMENTIDO mais tarde? Seria vergonhoso ou humilhante! 😉 KKKKKKKKKKKKK! 😀

  5. O texto fala que Tubman viveu entre os séculos XIV (14) e XX (20). Como?
    “Para quem não sabe, Harriet Tubman foi uma abolicionista norte-americana que viveu entre os séculos XIV e XX.”

  6. O canal do Facebook “conheCIÊNCIA”, além do pretenso nome, propõe-se na descrição ser um canal de Ciência, Humor, Entretenimento etc. É possível fazer tudo isso ao mesmo tempo? Resposta: SIM! Um exemplo é o canal do YouTube “Nerdologia” com a participação do Átila Iamarino, o “Canal O Mundo de Beakman” voltada principalmente para crianças, Pirulla, etc (links abaixo). Só que tem alguns probleminhas: você tem que ter um mínimo de formação, experiência, conteúdo, alinhamento, coerência etc científico e, o mais importante, não pode criar MENTIRAS, BOATOS, HOAXES, COISAS DUVIDOSAS, FAKE NEWS etc em suas postagens e/ou matérias. É difícil de entender isso? 😐 KKKKKKKKKKKKKKKKKK! 😀

    https://www.youtube.com/watch?v=HNqJ4JmSUb4

    https://www.youtube.com/user/nerdologia/videos

    https://www.youtube.com/channel/UCD5GvikL_gn9EhKMXGLMHMQ/videos

  7. Quais seriam as atrocidades modernas quanto ao tema trabalho?
    Quantas horas de trabalho devemos fazer sem parecermos robotizados?
    O trabalho dignifica ou escraviza?
    Que valor deve ter o trabalho?
    Trabalho para homem, trabalho para a mulher, pra branco, pra preto, o que isso quer dizer?
    Devemos nos libertar do trabalho como conhecemos?

    Nascer, crescer, trabalhar, comprar, multiplicar, nascer,…, um ciclo insano nada libertador.

  8. Quais seriam as atrocidades modernas quanto ao tema trabalho?
    Quantas horas de trabalho devemos fazer sem parecermos robotizados?
    O trabalho dignifica ou escraviza?
    Que valor deve ter o trabalho?
    Trabalho para homem, trabalho para a mulher, pra branco, pra preto, o que isso quer dizer?
    Devemos nos libertar do trabalho como conhecemos?

    Nascer, crescer, trabalhar, comprar, multiplicar, nascer,…, um ciclo insano nada libertador.

  9. Essa página “Geração de valor” parece ser daqueles coaches babacas “good vibes” que acham que frases de efeito bobinhas e “motivacionais” vão mudar alguma coisa na vida de alguém. Eles vendem ilusões e tem muita gente que cai nesses engodos. Isso é uma tremenda picaretagem e tem gente querendo até criminalizar isso. Existem também páginas “anticoach” que postam frases como “todo cadáver no monte Everest já foi alguém proativo, confiante e que sempre acreditou que com determinação um dia chegaria ao topo”.

  10. Essa página “Geração de valor” parece ser daqueles coaches babacas “good vibes” que acham que frases de efeito bobinhas e “motivacionais” vão mudar alguma coisa na vida de alguém. Eles vendem ilusões e tem muita gente que cai nesses engodos. Isso é uma tremenda picaretagem e tem gente querendo até criminalizar isso. Existem também páginas “anticoach” que postam frases como “todo cadáver no monte Everest já foi alguém proativo, confiante e que sempre acreditou que com determinação um dia chegaria ao topo”.

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