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quinta-feira, março 28, 2024

Um supercomputador venceu mesmo o teste de Turing?

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É verdade que cientistas criaram um supercomputador que conseguiu enganar um grupo de jurados se passando por um garoto de 13 anos?

No dia 08 de junho de 2014, milhares de jornais, sites e blogs no mundo todo noticiaram o que parece ter sido um feito notável para a humanidade. Pela primeira vez, de acordo com um comunicado publicado na página da Universidade de ucraniana de Reading, um supercomputador teria passado no teste de Turing, conseguindo enganar um grupo de jurados ao se passar por um humano durante um bate-papo.

O supercomputador teria sido programado para emular um garoto ucraniano de 13 anos e teria enganado os jurados durante 10 conversas de cinco minutos cada.

O sucesso do experimento – conduzido na data em que celebravam os 60 anos da morte de Alan Turing – foi assunto em diversos jornais no mundo todo e abriu a discussão para o que será o limite para essas máquinas. Afinal, um computador já pode pensar como um humano?

Será que isso é verdade ou farsa?

Supercomputador teria enganado jurados ao imitar um garoto! Verdadeiro ou falso? (foto: Divulgação)
Supercomputador teria enganado jurados ao imitar um garoto! Verdadeiro ou falso? (foto: Divulgação)

 

Verdadeiro ou falso?

A mídia internacional ficou entusiasmada com o tal supercomputador Eugene que teria conquistado o status de computador pensante ao ser confundido com um garoto. Tão entusiasmada que nem se deu ao trabalho de pesquisar um pouco mais sobre o tal experimento.

No próprio artigo publicado pela Universidade de Reading, os autores do trabalho explicam que:

“[….] Se um computador é confundido com um ser humano mais do que 30 % do tempo, durante uma série de conversações por teclado cinco minutos em que se passa o teste. Nenhum computador jamais conseguido isso, até agora. Eugene conseguiu convencer 33% dos juízes humanos que era humano.[…]”

Enganar apenas um terço dos juízes não pode ser considerado um sucesso! Se apenas 33% dos juizes foram enganados, isso significa que 67% dos que participaram não caíram no teste… Um número muito alto, não acham?

O teste de Turing

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Em 1950, o matemático Alan Turing escreveu um artigo chamado Computing Machinery and Intelligence, onde ele propunha o “jogo da imitação” que consistia em uma conversa (através de um teletipo) entre você, um computador e outro humano. De acordo com o artigo de Turing, se (e quando) durante a conversa você não conseguir mais distinguir qual dos dois é o computador e qual é o outro humano, você poderá concluir que o computador “pensa”, ou pelo menos que seja capaz de imitar (ou emular) o pensamento humano e, por isso, seria tão (ou mais) inteligente que o homem.

Alan Turing imaginava que em 50 anos os computadores teriam a capacidade de "pensar". (foto: Reprodução/Wikipédia)
Alan Turing contribuiu muito para o que hoje é chamada de Inteligência Artificial. (foto: Reprodução/Wikipédia)

Alan Turing não especificou qual seria a porcentagem ideal de acerto para que um computador consiga enganar os humanos nos testes, mas 33% não parece uma vitória. O que mais se aproxima dessa afirmação é que Turing teria escrito em um comunicado à imprensa certa vez que em 50 anos um avaliador não conseguirá mais do que 70% de chance de diferenciar um computador de uma pessoa após cinco minutos de interrogatório. Uma pequena distorção.

Outro detalhe é que, ao contrário do que está sendo afirmado, essa não foi a primeira vez que testes semelhantes foram feitos. Em 2011, por exemplo, um teste de Turing foi realizado na Índia e, na ocasião, 59% dos jurados foram enganados por um software chamado Cleverbot. 59% parece ser um numero bem maior que 33%…

Além disso, há alguns outros detalhes que o artigo publicado no site da universidade não evidencia (ou tenta modelar os resultados para ajudar no êxito da experiência):

O supercomputador é, na verdade, é um chatbot!

Em uma atualização de seu artigo (leia as últimas linhas), a Universidade Reading explica que “Eugene” é um programa de computador e não um “supercomputador” como estão afirmando os jornais. Não há nenhuma inteligência artificial envolvida no software. Trata-se apenas de uma série de algoritmos, treinados para exibir frases prontas.

As regras para a realização desse teste realizado no dia 08 de junho de 2014 ainda beneficiaram o software, pois foi dito aos jurados que o computador era um garoto de 13 anos de idade que ele teria nascido na Ucrânia, por isso, não falava inglês. Isso, com certeza ajudou a explicar a razão das respostas dadas pelo “menino” terem sido meio estranhas em certos momentos (e, por ser tão novo, não saberia responder a perguntas muito complexas).

Por exemplo, quando o garoto “não entendia” a pergunta, ele simplesmente respondia que não sabia nada daquilo. “Prefiro não falar sobre isso!”, dizia o script.

A diferença no idioma também ajudou a mascarar os resultados.

A revista Time na sua versão online publicou a transcrição da conversa que Eugene teve com os jurados. Podemos notar que as respostas do garoto são uma série de frases prontas.

Também é bom ressaltar que os juizes que participaram do teste não eram especialistas em softwares de inteligência artificial. Foram divulgados os nomes do ator Robert Llewellyn, da professora de ciência da computação na Universidade de Birmingham Aaron Sloman (talvez, um dos únicos jurados capacitados) e de Lord Sharkey (um político britânico).

Não houve nenhum teste duplo-cego e tampouco nenhuma avaliação de pares nas avaliações!

Kevin Warwick

O evento onde supostamente o “supercomputador” teria se passado por humano foi organizado pelo cientista Kevin Warwick. Para quem não conhece, ele é famoso por fazer afirmações exageradas e ridículas à imprensa (que muitas vezes publicam sem nem questionar a veracidade daquilo). Em 2000, Kevin anunciou que, após ter implantado um chip em seu braço, ele teria virado o primeiro ciborgue do mundo!

Outro exemplo, em 2010, Warwick deu inúmeras entrevistas dizendo que ele teria sido o primeiro a infectar um humano com um vírus de computador. Conforme apurado na época pelo TechDirt, o “Capitão Ciborgue” – como foi apelidado pela mídia – havia, na verdade, apenas colocado um chip com um vírus de computador no braço de uma colega sua. Não houve contágio do script malicioso do chip com nenhum orgão de Kevin ou de sua colega.

Depois de dar para os jornais uma série de exageros e notícias não tão reais e fascinantes, Kevin Warwick nos trás essa notícia de que “pela primeira vez” um computador teria conseguido passar pelo teste de Turing!

Kevin Warwick anunciou que havia virado um ciborgue apenas por ter implantado um chip no braço! (foto: Divulgação)
Kevin Warwick anunciou que havia virado um ciborgue apenas por ter implantado um chip no braço! (foto: Divulgação)

Conclusão

A notícia não é totalmente falsa, mas foi extremamente exagerada pela mídia em geral! Não foi dessa vez que os computadores tomaram consciência e partirão para dominação mundial! Ainda bem!

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Gilmar Lopes
Gilmar Henrique Lopes é Analista de Sistemas. Trabalha com PHP e banco de dados Oracle e é especializado em criação de ferramentas para Intranet. Em 2002, criou o E-farsas.com (o mais antigo site de fact checking do país!) que tenta desvendar os boatos que circulam pela Web. Gilmar também tem um espaço semanal dentro do programa “Olá, Curiosos!” no YouTube e co-apresenta o Fake em Nóis ao lado do biólogo Pirulla! Autor do livro de ficção Marvin e a Impressora Mágica!

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2 COMENTÁRIOS

  1. Alan Turing era um gênio, ajudou a decifrar códigos nazistas que auxiliaram aos aliados ganharem a 2ª guerra mundial e é considerado o pai da informática. Apesar disso, foi condenado por ser gay (na Inglaterra, homossexualismo era crime), foi obrigado a receber castração química para não ser preso e se matou aos 42 anos, ingerindo veneno. No ano passado, recebeu perdão real pela condenação.

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