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Episódio da série “O Vidente” previu o novo coronavírus e o uso da cloroquina?

Cinema / TV

Episódio da série “O Vidente” previu o novo coronavírus e o uso da cloroquina?

Episódio da série “O Vidente” previu o novo coronavírus e o uso da cloroquina?

Esqueça os Simpsons ou o Capitão América! A nova sensação das redes sociais vem sendo o 14° episódio da 2ª temporada de uma série de TV chamada “The Dead Zone“. Aqui no Brasil essa série ficou conhecida como “O Vidente”, razão pela qual adotamos esse nome no título do artigo.

Eis a sinopse desse episódio intitulado “Plague” (“Peste” em português):

Quando J.J. se torna vítima de um novo vírus mortal, que varre a região Nordeste dos EUA, Johnny deve usar seus poderes para resolver um mistério médico a tempo de salvar a vida de seu filho

A princípio esse parecia ser um episódio comum, mas há um vídeo contendo trechos dele, que vem deixando muita gente de cabelo em pé! Isso porque é mencionado que o tal vírus mortal teria tido origem na China, mas, ao mesmo tempo, eles não sabiam com o que estavam lidando. Havia sido descartado, no entanto, o vírus Influenza, a SARS, entre outros. Uma dos personagens, inclusive, menciona a palavra “coronavírus”.

Outro ponto “conspiratório” é que o Johnny, protagonista da série e dotado de poderes psíquicos, começa a ter visões relacionadas a cloroquina! Ela é citada como um remédio utilizado no tratamento da malária, e que os únicos indivíduos sobreviventes ao novo vírus mortal teriam sido aqueles que, no passado, também tiveram essa outra doença. O trecho ainda cita que a cloroquina teria sido suprimido a enzima que o vírus precisava para sobreviver!

Confira o referido trecho, abaixo:

A Crença na Suposta Premonição do Episódio

Assim sendo, ao assistirem o vídeo acima, muitos usuários passaram a acreditar que o episódio havia previsto o surgimento do novo coronavírus, a atual pandemia e, além disso, o tratamento com o uso da cloroquina! Confira abaixo alguns exemplos (1,2,3):

Tuíte recente de um usuário sobre o episódio.

Mais um tuíte recente de um usuário sobre o episódio.

Outro tuíte recente sobre o episódio.

Já outros desconfiaram que a dublagem poderia ter sido modificada ou então o enredo do episódio teria sido tirado do contexto.

Para algumas pessoas, no entanto, a dublagem poderia ter sido modificada ou então a história do episódio teria sido tirada do contexto

Entretanto, será que a dublagem é realmente a original? Sendo original, o episódio previu o novo coronavírus e o uso da cloroquina? Descubra agora, aqui, no E-Farsas!

Verdadeiro ou Falso?

Falso! Embora não tenha havido manipulação em termos de dublagem (o vídeo é composto por dois trechos distintos do episódio), esse episódio da série “O Vidente” não previu o novo coronavírus, tampouco a utilização da cloroquina no tratamento da doença!

A seguir iremos mostrar a vocês as razões pelas quais tais alegações não fazem o menor sentido!

A “Previsão” com uma Boa Dose de Informação Anterior a Própria “Previsão”

Em primeiro lugar, o episódio não teve nenhuma intenção de prever qualquer evento futuro. E, mesmo que tivesse, teríamos grandes problemas em toda a suposta previsão. Se vocês acompanham nosso site diariamente, provavelmente lembrarão de um artigo que fizemos sobre o “Carlinhos Vidente”, em janeiro de 2019! Naquele artigo mostramos as diversos subterfúgios/artíficios, que os supostos videntes utilizam para fazer suas previsões.

Um desses artifícios é justamente tentar prever algo com base em informações anteriores e, portanto, se inspirando em eventos dramáticos que ocorreram num curto espaço de tempo antes da previsão.

O Episódio Teve Inspiração no Surto de SARS (SARS-CoV) em 2002/2003

A série “O Vidente” foi exibida nos Estados Unidos, pela USA Network, entre 2002 e 2006. O episódio chamado “Peste” (2×14) foi exibido em 13 julho de 2003. Agora, adivinhem o que aconteceu no ano anterior (2002) a exibição do episódio? O surto de SARS, que teve origem na China em novembro daquele ano, e que se espalhou para cerca de 30 países e territórios pelo mundo. No dia 5 de julho de 2003, a OMS declarou que a SARS havia sido contida, embora tenha havido o registro de novos casos posteriores a essa data.

Os produtores e roteiristas da série ja tinham pleno conhecimento da SARS e o que estava acontecendo pelo mundo naquela época! E caso ainda seja necessário explicar, o SARS-CoV pertence à mesma família do SARS-CoV-2 (compartilham cerca de 79% do material genético). Portanto, não é nada surpreendente que haja semelhanças!

E Quanto ao Uso da Cloroquina?

A cloroquina foi sintetizada pela primeira vez em 1934 e foi amplamente prescrita para a prevenção e tratamento da malária, assim como para o tratamento de doenças autoimunes, como artrite reumatóide e lúpus eritematoso sistêmico. A hidroxicloroquina surgiu mais tarde, em 1955, e rapidamente ganhou destaque devido a um perfil superior de segurança.

Naquela época já havia uma discussão sobre o uso da cloroquina em relação a AIDS e a SARS, assim como em outros vírus encapsulados. Num artigo publicado no site da revista “Lancet”, em novembro daquele ano, por exemplo, foi mencionado:

Baseado nos efeitos da cloroquina/hidroxicloroquina em vários vírus encapsulados e na ativação imune, levantamos a hipótese de que esse medicamento talvez tenha alguma utilidade para o manejo clínico da SARS

Naquela época já havia uma discussão sobre o uso da cloroquina em relação a AIDS e a SARS, assim como em outros vírus encapsulados.

É muito importante destacar que desde a SARS a cloroquina/hidroxicloroquina era conhecida por possuir propriedades bioquímicas consideradas “interessantes”, e que, talvez, pudessem ser aplicadas contra algumas infecções virais. Isso já vinha circulando no meio acadêmico e continuou sendo discutido em outros artigos nos anos de 2004 e 2005! A atual pandemia e proporção que ela ganhou (muito pior do que havia ocorrido com a SARS) acabou forçando os cientistas a investigarem mais profundamente.

Portanto, a série não previu a utilização da cloroquina em relação ao COVID-19 (SARS-CoV-2).

Por falar nisso…

Até o momento, se fôssemos dividir os estudos randomizados em quatro tipos, onde a hidroxicloroquina poderia ser eficaz, poderíamos dizer que ela não seria eficaz na profilaxia pós-exposição e nem em pacientes hospitalizados. Em relação a profilaxia pré-exposição e a pacientes em fase inicial ambulatorial ainda há estudos em andamento.

Os Diversos Detalhes que São Ignorados

Aqueles que gostam de imaginar supostas previsões sempre ignoram outros detalhes, que não se encaixam na narrativa que propagam.

Vamos a uma pequena lista de exemplos nesse episódio:

1) Período de Incubação e Taxa de Mortalidade

Ao  contrário da COVID-19, o período de incubação do vírus citado na série é de menos de 48 horas e a taxa de mortalidade de 86%!

O período de incubação do vírus citado na série é de menos de 48 horas e a taxa de mortalidade de 86%!

2) Aparência do Vírus

A aparência do vírus chamado de “retrovírus cantonês AB6” não lembra nada o novo coronavírus.

A aparência do vírus do episódio não lembra nada a aparência do SARS-CoV-2.

3) Transmissão Pelo Sangue

No episódio, Johnny se infecta com o vírus através de uma amostra de sangue do filho. Embora o novo coronavírus já tenha sido encontrado em amostras de sangue e fezes de pacientes, até o momento não nenhuma evidência científica ou relato de caso em qualquer lugar do mundo de pessoas que tenham contraído o novo coronavírus a partir de uma amostra de sangue contaminada.

Numa recente matéria publicada no G1, Luiz Amorim, diretor do Hemorio, foi categórico:

O coronavirus não é transmissível pelo sangue. É um vírus respiratório, muito pouco presente no sangue, quando a taxa é baixa. Ele está presente na respiração, secreção nasal. Esse vírus não é transmissível pelo sangue, nem pelas transmissões de sangue

No episódio, Johnny se infecta com o vírus através de uma amostra de sangue do filho.

4) Temperatura x Transmissão

Numa cena do episódio, que não consta no trecho disseminado nas redes sociais, há um questionamento sobre a relação do vírus com o calor. É possível ler uma pergunta questionando a razão de não ter tido registro do vírus em outras cidades, assim como Nova York!

É possível ler uma pergunta questionando a razão de não ter tido registro do vírus em outras cidades, assim como Nova York!

Numa matéria publicada pelo UOL, em maio de 2020, Felipe Naveca, pesquisador de virologia e biologia molecular da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Amazônia, explicou que o frio gera uma tendência de aumento da transmissão de um vírus respiratório, porque as pessoas ficam mais tempo em lugares fechados. Segundo ele, o calor pode até reduzir, mas “não é suficiente para parar uma pandemia como essa“.

Nesse sentido houve até um estudo mostrando que o SARS-CoV-2 pode resistir a alta umidade e ao calor. Isso porque oito pessoas foram contaminadas pelo novo coronavírus numa sauna na província de Jiangsu, na China.

Portanto, se a série tivesse acertado, cidades como Nova York e países como o Brasil teriam sido poupados. Não teríamos visto, por exemplo, o caos que aconteceu em Manaus, capital do Estado do Amazonas.

Conclusão

Falso! O episódio intitulado “Peste”, da série “O Vidente”, não previu o novo coronavírus, tampouco a utilização da cloroquina no tratamento da COVID-19! Além dos pontos alegados serem facilmente refutáveis, aqueles que gostam de imaginar supostas previsões sempre ignoram outros detalhes, que não se encaixam na narrativa que propagam.

Jornalista e colaborador do site de verificação de fatos E-farsas entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020. Entre junho de 2015 e abril de 2018, trabalhei como redator do blog AssombradO.com.br, além de roteirista do canal AssombradO, no YouTube, onde desmistificava todos os tipos de engodos pseudocientíficos e casos supostamente sobrenaturais.

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