today-is-a-good-day
26.3 C
São Paulo
quinta-feira, abril 25, 2024

Frase sobre “a estratégia para que traficantes não atirem” foi dita por Jurema Werneck?

- Publicidade -

Esse caso envolvendo o nome da Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, é tanto quanto complicado! Por isso peço que vocês acompanhem o texto com muita atenção, combinado?

O Início da Nossa Verificação

No fim de setembro de 2020, enviamos um email para a Anistia Internacional no Brasil, porque havíamos detectado a viralização de uma frase supostamente atribuída a Jurema Werneck. Naquela época, circulava amplamente, no Facebook, a seguinte frase:

Se os traficantes atiram, tem que criar uma estratégia que evite que eles atirem

A frase circulava através de um “meme” indagando o “sentido lógico” da frase. Para muitos, a melhor estratégia para evitar que traficantes atirem é que eles sejam mortos pela polícia antes que possam atirar (1,2,3,4,5).

A publicação que nos deparamos datava de 28 de setembro de 2020 e havia sido disseminada por uma página, alegadamente de “política com humor”, chamada “Rua Direita”. Desde então, a publicação já obteve mais de 3,6 mil compartilhamentos.

Desde então, a publicação já obteve mais de 3,6 mil compartilhamentos.

Portanto, entramos em contato com a Anistia Internacional no Brasil para saber a posição da Jurema Werneck sobre a frase. Será que ela disse realmente disso? E se disse, qual o contexto? Enfim, fomos avisados que nosso email tinha sido encaminhado internamente, e ficamos aguardando por uma resposta.

Por um longo período não houve resposta, e o caso caiu no nosso esquecimento.

A Checagem do Coletivo Bereia

No dia 22 de outubro de 2020, um site chamado “Coletivo Bereia”, alegadamente destinado a informação e checagem de notícias, concluiu que o caso era falso. Em contato com Jurema Wenerck, ela teria negado ter dito essa frase (arquivo).

Além disso, eles chegaram a conclusão que a foto mais antiga que circulava com essa declaração havia sido feita por um perfil no Twitter chamado “FamíliaDireitaBrasil” @Brazilfight), também no dia 28 de setembro de 2020.

Essas conclusões, no entanto, são altamente problemáticas.

- Publicidade -

No dia 22 de outubro de 2020, um site chamado “Coletivo Bereia”, alegadamente destinado a informação e checagem de notícias, concluiu que o caso era falso.

Essa Frase Já Circulava no Facebook, no Mínimo, desde Setembro de 2019

Enquanto aguardávamos por uma resposta fomos atrás para tentar entender a origem dessa história. Ao fazer uma busca bem simples no Facebook descobrimos que essa frase já vinha sendo atribuída a Jurema Werneck, no mínimo, desde o fim de setembro de 2019.

Confiram abaixo dois exemplos de publicações que circularam naquela época (1,2):

Exemplo de publicação que circulou no fim de setembro de 2020.

Mais um exemplo de publicação que circulou no fim de setembro de 2020.

Posteriormente, em meados de outubro de 2020, a viralização foi amplificada pelo perfil do deputado federal Eduardo Bolsonaro.

O Que Estava Acontecendo em Setembro de 2019?

No dia 20 de setembro de 2019, uma menina chamada Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, foi morta quando voltava para casa com a mãe, no Complexo do Alemão, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. A criança estava dentro de uma Kombi, por volta das 21h30, quando foi baleada nas costas na comunidade da Fazendinha.

De acordo com um tio de Ágatha, a Kombi em que a menina estava parou na rua para desembarcar passageiros com sacolas de compra na comunidade. A criança estava sentada dentro do veículo quando foi atingida.

No dia 20 de setembro de 2019, uma menina chamada Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, foi morta quando voltava para casa com a mãe, no Complexo do Alemão, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.

Na época, a Polícia Militar alegou que houve confronto entre a polícia e marginais locais. E, como era de se esperar, houve uma intensa discussão sobre a atuação da Polícia Militar.

Posteriormente, um inquérito da Polícia Civil concluiu, que o tiro que atingiu e matou a menina Ágatha Félix partiu da arma de um cabo da Polícia Militar. Segundo o documento, houve “erro de execução” por parte do agente – ele fez um disparo de advertência contra dois motoqueiros que furaram uma blitz.

O policial foi indiciado por homicídio doloso.

A Entrevista de Jurema Werneck para o RJ2 em 23 de setembro de 2019

Na edição de 23 de setembro de 2019, do telejornal RJ2 da Rede Globo, Jurema Werneck falou sobre a política de combate à violência do Estado do Rio de Janeiro.

Jurema Werneck falou sobre a política de combate à violência do Estado do Rio de Janeiro.

Eis a transcrição completa do que ela disse:

Isso não é política. Isso é ‘celebração’, isso é chamamento, isso é estímulo a ações como esse tipo de coisa, que só leva a isso. A gente perder Ágatha… a gente perde… outras meninas, outros meninos, outros adolescentes… Situação de confronto aumenta a vulnerabilidade de nós, das pessoas e… particularmente das pessoas que vivem nas favelas, mas aumenta a vulnerabilidade dos policiais também. Os policiais continuam morrendo. E que vidas que essa política está salvando?

Essa entrevista era nossa melhor pista sobre uma eventual e “polêmica” declaração de Jurema Werneck naquela época. Isso porque não encontramos essa frase sendo associada a diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil antes da morte de Ágatha.

Assistimos também a edição completa do RJ2 para ver se essa frase havia sido falada por alguma outra pessoa, mas não nos deparamos com ela em nenhum outro trecho.

Dois Usuários Alegaram ter Ouvido Jurema Werneck Falar Essa Frase

Curiosamente, nas publicações encontramos comentários de dois usuários, que alegaram ter ouvido Jurema Werneck dizer essa frase. Obviamente, isso despertou a nossa atenção e entramos em contato com eles para saber onde eles teriam ouvido essa frase.

Dois usuários alegaram ter ouvido Jurema Werneck falar essa frase.

O Primeiro Usuário

O primeiro usuário foi muito solícito, e disse que se lembrava de Jurema Werneck ter dito essa frase. Disse também, que se lembrava vagamente que teria sido uma entrevista de rua, em algum programa televisivo, não num gabinete. Em seguida, ele disse que tinha visto essa entrevista do RJ2, mas que não se lembrava se era aquilo que ele tinha visto.

Por fim ele disse que entraria em contato com uma amiga jornalista, mas não tivemos nenhuma resposta até o fechamento deste artigo.

O Segundo Usuário

O segundo usuário não respondeu aos nossos questionamentos.

Um Determinado Usuário Citado Numa das Publicações

Também entramos em contato com um terceiro usuário, que aparece numa captura de tela disseminada através de uma das publicações. No entanto, também não tivemos quaisquer respostas.

A Origem da Foto Utilizada no “Meme”

Embora meramente ilustrativa, a imagem de Jurema Wernerck aparentando falar num congresso ou coletiva aumenta a impressão do leitor, que ela realmente tivesse dito isso. No entanto, a imagem utilizada é bem antiga.

A checagem do “Coletivo Bereia” apontou que a imagem apareceu no site “MercoPress” em dezembro de 2017. Contudo há dois problemas aqui. O primeiro é que o artigo no site “MercoPress” é datado de maio de 2017. O segundo é que essa imagem é ainda mais antiga, visto que ela já aparecia em março daquele ano no próprio site da Anistia Internacional no Brasil.

A foto já aparecia em março de 2017 no próprio site da Anistia Internacional no Brasil

A Omissão de um Trecho Significativo da Entrevista Realizada Pelo Coletivo Bereia

Errar é humano e checadores também são passíveis de erros, mas há um detalhe muito “peculiar” em toda essa história. No dia 25 de outubro de 2020, entramos novamente em contato com a Anistia Internacional no Brasil. Queríamos simplesmente uma nota para acrescentar no artigo que escreveríamos sobre esse caso. Normal, procedimento padrão.

Entretanto, como resposta, a assessoria de imprensa nos enviou a entrevista completa entre Jurema Werneck e o Coletivo Bereia. E foi aí que notamos algo “peculiar”: a omissão de pontos extremamente relevantes sobre essa história.

Ao ser inicialmente questionada se tinha ou não dado essa declaração eis o que Jurema respondeu:

Pois é. Eu também não identifiquei. Mas tenho falado que a polícia não deve atirar a esmo, produzindo mais riscos e mortes. E há anos a Anistia Internacional tem defendido uma política de segurança baseada em inteligência, com investimentos em prevenção e investigações e que promova treinamento constante das forças de segurança para evitar que mais mortes ocorram. E que os agentes do Estado sigam os protocolos previstos nas leis internacionais de respeito aos direitos humanos. Acho que a questão importante é essa e a sociedade civil e as autoridades públicas precisam unidas defenderem a proteção de todos e todas.

Entrevista repassada pela assessoria de imprensa da Anistia Internacional no Brasil.

Jurema Werneck Disse Ter Certeza que Era Isso que Deveria Ser Feito

Na quarta pergunta Jurema foi indagada como a atuação policial podia colaborar para manter a segurança das pessoas e não para desestabilizá-la provocando um estado de permanente tensão. É nesse ponto que Jurema volta a falar sobre a frase sobre “a estratégia para que traficantes não atirem”.

Eis o que Jurema disse:

Não lembro se falei ou não esta frase, mas poderia ter falado, pois tenho certeza que é isso que deve ser feito: a polícia deve mesmo evitar tiroteios. E como armas e munições não são fabricadas dentro das favelas, há muito que podem e devem fazer para evitar, inclusive que as armas cheguem lá. A segurança pública no Brasil precisa preservar vidas e não o contrário. Todos devem ter o direito básico à vida garantidos.

Portanto, embora Jurema não tenha inicialmente identificado, ela disse posteriormente que não lembrava e, inclusive, que poderia ter falado, porque ela tinha certeza que era exatamente isso que deveria ser feito: a polícia deveria evitar tiroteios.

Conclusão

Em princípio, falso! Não encontramos nenhuma declaração pública de Jurema Werneck em que ela tivesse dito a frase: “Se os traficantes atiram, tem que criar uma estratégia que evite que eles atirem“. Aparentemente, essa frase surgiu após Jurema Werneck ter condenado publicamente a política de combate à violência do Estado do Rio de Janeiro, no fim de setembro de 2019, em decorrência da morte da menina Ágatha Félix. O caso estava em alta e sendo noticiado diariamente naquela época.

Cabe destacar que, em contato com usuários que alegaram ter ouvido Jurema Werneck falar essa frase, não obtivemos nenhuma prova nesse sentido.

Entretanto, num trecho omitido de uma entrevista recentemente realizada por um coletivo de checagem, Jurema Werneck disse não se lembrar se havia ou não falado essa frase, mas que poderia ter falado, pois tinha certeza que era isso que deveria ser feito: a polícia deveria evitar tiroteios.

- Publicidade -
Marco Faustinohttp://www.e-farsas.com/author/marco
Jornalista e colaborador do site de verificação de fatos E-farsas entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020. Entre junho de 2015 e abril de 2018, trabalhei como redator do blog AssombradO.com.br, além de roteirista do canal AssombradO, no YouTube, onde desmistificava todos os tipos de engodos pseudocientíficos e casos supostamente sobrenaturais.

Últimas Atualizações

- Publicidade -Compre o livro Marvin e a impressora Mágica de Gilmar Lopes

Ajude a Manter o E-farsas

- Publicidade -

Checagens Relacionadas

2 COMENTÁRIOS

  1. Analisando apenas a frase é questão de interpretação.Na minha interpretação para esta frase, explicando de um modo simples: É como ter um vazamento em sua casa e todos os dias você precisa enxugar tudo. Enquanto você não consertar o vazamento vai precisar enxugar todos os dias, você tem que consertar o vazamento para não precisar ficar enxugando sempre. É pra parar de enxugar? Não, enquanto tiver vazamento, enxugue, mas tem de consertar isso.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui