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O Artigo 142 da Constituição permite que o Exército feche o STF?

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O Artigo 142 da Constituição permite que o Exército feche o STF?

É verdade que a Constituição da República Federativa do Brasil tem um artigo que permite que as Forças Armadas invadam e fechem o Supremo Tribunal Federal?

Não é de hoje que o assunto é compartilhado nas redes sociais e em grupos do WhatsApp: o Artigo 142 da Constituição permite que as Forças Armadas fechem o STF (ou o TSE ou o TSJ, dependendo da versão) em casos específicos para recompor a ordem do país.

Na teoria, segundo o que se espalha na web desde 2019, o Exército agiria como um poder moderador em caso de conflito entre os 3 poderes, mas será que o Artigo 142 da Constituição prevê isso mesmo?

Manifestantes pedem intervenção militar com base no Artigo 142, mas será que existe isso na Lei? (foto: Reprodução/WhatsApp)

Verdade ou mentira?

A Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada em outubro de 1988 e é a lei máxima, fundamental e suprema do país. Como muito bem apontado pelo jornalista Guilherme Oliveira, nessa matéria no site do Senado Federal, essa Carta Magna ficou conhecida como “Constituição Cidadã”, por ter sido concebida no processo de redemocratização, logo após o fim da ditadura militar no Brasil (guarde essa informação).

O Artigo 142

O tal Artigo 142, que vem sendo usado de forma equivocada por vários grupos online para incitar a dissolução do STF e/ou de ministros do Supremo, é bem claro e mostra logo em seu primeiro parágrafo o que são e para que servem as Forças Armadas:

“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Uma curiosidade: na Constituição anterior (de 1967/1969) silenciava a iniciativa de qualquer um dos poderes para a atuação das Forças Armadas na proteção da lei e da ordem. A inovação da Constituição de 1988 nesse sentido foi a de garantir que qualquer um dos poderes pudesse invocar o artigo para garantir a lei e a ordem. Ainda assim, que nenhum Poder invada ou interfira nos demais!

Além disso, o Artigo 142 definiu que haveria uma lei complementar para criar normas gerais relacionadas às Forças Armadas. A Lei Complementar é a de n° 97 de junho de 1999, que em nenhum trecho dá poderes ao Exército, Marinha ou Aeronáutica para fechar nenhum dos 3 poderes! Pode procurar no texto da Lei aqui.

Outro detalhe é que o artigo 5º, inciso XLIV, da Constituição qualifica como “… crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático“. Ou seja, a própria Lei garante que ninguém “entenda errado” algum dos seus artigos e tente algo para fechar um dos 3 poderes.

Além disso, (lembra que falamos lá em cima que essa Constituição foi promulgada após um longo período de militarismo?) não é possível acreditar que a Constituição Federal de 1988, promulgada logo após o fim do Governo Militar no Brasil, permitiria um artigo em que os militares pudessem voltar ao poder assim tão facilmente, né?

Se fosse possível fechar, como ficaria?

Vamos supor que fosse possível, através da Constituição, o uso das Forças Armadas para se fechar o STF (ou outro tribunal). Onde está a lei ou as normas de procedimentos nesse caso hipotético? 

Manifestantes pedem intervenção militar com base no Artigo 142, mas será que existe isso na Lei? (foto: Reprodução/WhatsApp)

Como explicado por juristas nessa reportagem do UOL de maio de 2020, os militares não são treinados para a política e/ou para interpretar leis:

“As Forças Armadas não têm esse papel de moderação de forma nenhuma. Elas não têm conhecimento jurídico e nem condição política para isso, não têm vocação. A Constituição garante que as Forças Armadas atuem, excepcionalmente, em situações de economia interna para garantir a lei e a ordem, e só se forem requisitadas”, afirma o constitucionalista Elival da Silva Ramos, ex-procurador-geral do estado de São Paulo, em entrevista ao UOL.

Esse artigo do site Conjur levanta algumas questões interessantes, apenas em suposições – é óbvio – sobre a possibilidade do Artigo 142 ser entendido de forma equivocada e se consiga mesmo fechar o Supremo Tribunal Federal ou o Senado, por exemplo.

  • Os governadores e prefeitos também seriam atingidos por essa manobra? 
  • Como ficaria o andamento dos processos em análise nesses tribunais?
  • Quem iria comandar esse fechamento?
  • Quem (ou o que) assumiria no lugar do Tribunal (ou tribunais) fechado(s)? 
  • Quem garante que o presidente da República seria mantido no cargo? 
  • Todos os órgãos de imprensa também seriam fechados?

Como dissemos nos parágrafos anteriores, não há respostas para esse cenário na Lei.

Só pra ficar bem claro

Em junho de 2020, a Câmara dos Deputados emitiu um parecer esclarecendo que o artigo 142 da Constituição não autoriza intervenção militar. O documento foi elaborado pela Secretaria-Geral da Mesa e ressalta que a Constituição Federal não autoriza as Forças Armadas a arbitrarem conflitos entre Poderes.

O parecer, que pode ser lido na íntegra aqui, chama de “fraude ao texto constitucional” a afirmação de que o Artigo 142 dê poderes de moderador aos militares e confirma que essa não é atribuição das Forças Armadas:

“Não existe país democrático do mundo em que o Direito tenha deixado às Forças Armadas a função de mediar conflitos entre os Poderes constitucionais ou de dar a última palavra sobre o significado do texto constitucional”, diz um trecho.

O documento também diz que: 

“[…] em uma democracia constitucional, nenhuma autoridade está fora do alcance da Lei Maior […] A autoridade de que dispõe o presidente da República é suprema em relação a todas as demais autoridades militares, mas, naturalmente, não o é em relação à ordem constitucional. […] Não há qualquer fragmento normativo no texto constitucional ou em qualquer outra parte do ordenamento jurídico brasileiro a autorizar a mediação ou mesmo a solução dos conflitos entre os Poderes da União pelas Forças Armadas. Mais: certamente as Forças Armadas não pretendem exercer tais supostas atribuições e tampouco estão aparelhadas a fazê-lo”

E o presidente pode fazer isso?

Essa reportagem de junho de 2020 da BBC ouviu especialistas em Direito que foram unânimes: o presidente da República não tem poder de intervir nos outros poderes. Para qualquer uso que o Poder Executivo venha fazer das Forças Armadas, ainda é preciso que se tenha a autorização do Congresso Nacional.

Atualização 02/04/2024

No dia 1º de abril de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de 6 votos a 0 contra a interpretação de que as Forças Armadas podem exercer “poder moderador” no país. Na prática, o colegiado reafirma o que já está previsto na Constituição e deixou ainda mais claro que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica não podem intervir nos Três Poderes.

O ministro Gilmar Mendes, ao se manifestar contra a tese do poder moderador, disse que a Corte está “reafirmando o que deveria ser óbvio”. “A hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição. A sociedade brasileira nada tem a ganhar com a politização dos quartéis e tampouco a Constituição de 1988 o admite”, afirmou.

Outro ministro, Flávio Dino, afirmou que não existe no país um “poder militar”:

“Lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um poder militar. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como, aliás, consta do artigo 142 da Carta Magna”, concluiu o ministro em seu voto.

Conclusão

A afirmação de que o Artigo 142 permite que as Forças Armadas fechem o STF (ou acabem com qualquer um dos Poderes da República) é falsa! Não há em nenhum trecho da Lei (e tampouco nas leis complementares) algo a respeito!

Gilmar Henrique Lopes é Analista de Sistemas e, em 2002, criou o E-farsas.com (o mais antigo site de fact checking do país!) que tenta desvendar os boatos que circulam pela Web. Gilmar é o autor do livro "Caçador de Mentiras" pela Editora Matrix e da aventura de ficção infantojuvenil "Marvin e a Impressora Mágica"!

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