Caso Havaianas: O que há por trás das campanhas de boicote online?
Ao dizer em propaganda para “não entrar 2026 com o pé direito”, a Havaianas atraiu para si milhares de perfis raivosos, mas o que há por trás desse boicote?
Nos últimos dias de dezembro de 2025, a Havaianas — uma das marcas brasileiras mais reconhecidas globalmente — foi surpreendida por um fenômeno típico da era digital: a mobilização de um grupo online para boicotar a marca após uma campanha publicitária considerada “política” por parte do público. O caso, que tomou proporção nas redes sociais, levanta uma questão relevante: campanhas de boicote online podem funcionar não apenas como pressão sobre empresas, mas também como mecanismos para reforçar a coesão de grupos sociais?
O que aconteceu com a campanha da Havaianas?
A alegada polêmica começou após numa campanha de fim de ano da Havaianas estrelada pela atriz Fernanda Torres, onde a mensagem dizia que os consumidores não deveriam “começar 2026 com o pé direito”, mas sim entrar no ano novo com “os dois pés”, apoiando uma ideia de iniciativa e engajamento pessoal em vez de depender da sorte.
Acontece que alguns usuários das redes sociais interpretaram essa frase como um ataque simbólico ao campo político de direita, associando “pé direito” a uma conotação ideológica específica.
A reação foi imediata em algumas comunidades online: políticos e influenciadores alinhados a este espectro político defenderam um boicote à marca, incentivando seguidores a deixarem de usar Havaianas e a adotarem marcas concorrentes, muitas vezes com hashtags e posts explícitos de cancelamento.

Propaganda com a atriz Fernanda Torres gera campanha contra a Havaianas! (foto: Reprodução/ Twitter)
Boicotes online como fenômeno social
Esse episódio da Havaianas não é isolado; ele exemplifica uma tendência maior em que acionamentos simbólicos e interpretações de conteúdo geram respostas coletivas nas redes sociais. Um boicote online funciona de duas maneiras principais:
- Mecanismo de pressão econômica ou reputacional: objetivos tradicionais de boicotes, apontando consumidores a retirar apoio financeiro de uma marca por ter supostamente adotado posições contrárias às suas convicções.
- Papel identitário e grupal: além do impacto sobre a empresa, as campanhas de boicote atuam como pontos de encontro simbólicos para comunidades virtuais, reforçando identidades, crenças compartilhadas e distinção em relação a grupos externos.
Pesquisas em sociologia, ciência política e comunicação destacam que boicotes online frequentemente transcendem seu propósito econômico imediato e passam a ser marcos de identidade social. Participar de um boicote pode sinalizar pertencimento, valores comuns e alinhamento com normas grupais — fatores que fortalecem a coesão interna de um grupo. Essa dinâmica está associada à forma como indivíduos moldam seu comportamento coletivo e reforçam fronteiras sociais online. (base conceitual baseada em estudos de ativismo digital e teoria da identidade social)
Em 2023, por exemplo, bolsonaristas fazem boicote ao chocolate Bis por causa de uma simples publicação de uma foto do youtuber Felipe Neto posando com uma caixa de Bis, um dos produtos da marca Lacta.
Por que a Havaianas virou alvo?
No caso da Havaianas, apesar da campanha publicitária ter uma mensagem motivacional neutra em sua essência, a leitura política se espalhou rapidamente, sobretudo em um contexto de polarização exacerbada no Brasil em ano pré-eleitoral. O comercial foi interpretado por parte do público como incitação a rejeitar simbolicamente “o pé direito” — associado a valores conservadores, ainda que sem qualquer declaração formal ou explícita da marca nesse sentido.
Após a repercussão negativa, o efeito para a marca, na maioria das vezes, pode até ser o contrário do que a tentativa de boicote almeja, pois o nome do produto acaba ficando em evidência, tornando-a mais popular do que antes. Foi o que aconteceu com a Netflix, em 2025, depois de ter sido vítima de um boicote mundial, liderado pelo empresário Elon Musk. A empresa de streams explicou que a maioria dos usuários que cancelam a assinatura acaba voltando pouco tempo depois.
Havaianas já “foi do outro lado”
É curioso analisar que marcas transitam a favor do vento em diferentes ocasiões. É o que relembra o jornal O Estado de Minas:
“Em comercial veiculado em 2014, na época da Copa do Mundo do Brasil, o ex-jogador Romário aparece assistindo a um jogo usando apenas um chinelo. Ao ser questionado por um amigo, Romário explicava que o pé esquerdo “tá com quem merece”, em uma brincadeira com a rivalidade futebolística envolvendo o atleta argentino Diego Maradona.”
O papel das redes sociais na coesão de grupos
As redes sociais amplificam conteúdos e reações de forma que uma mensagem comercial pode rapidamente ser ressignificada como algo político ou cultural. Usuários que se sentem parte de um mesmo grupo — seja por orientação política, valores culturais ou afiliação ideológica — tendem a reagir de forma coordenada. Boicotes online, nesse cenário, funcionam como catalisadores para:
- Unir participantes em torno de um objetivo comum (por exemplo, negar consumo de uma marca percebida como adversária);
- Reforçar narrativas compartilhadas, especialmente quando confrontadas com “narrativas externas” (como a mensagem publicitária da Havaianas);
- Sinalizar identidade e engajamento num espectro social ou político mais amplo.
Conclusão
O episódio envolvendo a Havaianas mostra como uma campanha de marketing pode rapidamente ultrapassar o seu propósito comercial e se tornar um ponto de convergência para campanhas de boicote online, que funcionam como mecanismos de coesão grupal e reafirmação de identidade em ambientes polarizados.








