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sexta-feira, abril 19, 2024

Michelangelo pintou o afresco “Criação de Adão” com os dedos de Deus e Adão se tocando?

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No fim de junho de 2020, um estranho texto viralizou nas redes sociais, particularmente no Facebook. Publicado por um arquiteto de Limeira/SP, ele já foi compartilhado mais de 135 mil vezes e recebeu mais de 12 mil reações (arquivo).

Publicado por um arquiteto de Limeira/SP, ele já foi compartilhado mais de 135 mil vezes e recebeu mais de 12 mil reações.

O Teor do Texto

Esse texto falava sobre o afresco “Criação de Adão” um afresco pintado por Michelangelo por volta de 1511, a pedido do papa Júlio II. O afresco integra um conjunto de pinturas, que compõem o teto da Capela Sistina, que por sua vez fica localizada no Palácio Apostólico, residência oficial do Papa na Cidade-Estado do Vaticano. No teto, Michalengelo basicamente retratou passagens do Velho Testamento.

Eis o que texto dizia:

Quando, em 1512, Michelangelo finalmente concluiu o afresco do teto da Capela Sistina, que é considerado uma das mais famosas obras da história da arte, os cardeais responsáveis pela curadoria das obras ficaram por horas olhando e admirando o magnífico afresco. Após a análise, reuniram-se com o mestre das artes, Michelangelo e, sem pudor algum dispararam: RE-FA-ÇA!

O descontentamento, óbvio, não era com a obra toda, mas sim com um detalhe, aparentemente desimportante. Michelangelo havia concebido o painel da criação do homem com os dedos de Deus e de Adão, se tocando. Os curadores exigiram que não houvesse o toque, mas que os dedos de ambos ficassem distantes e mais: que o dedo de Deus estivesse sempre esticado ao máximo, mas que o dedo de Adão, estivesse com as últimas falanges contraídas. Um simples detalhe mas com um sentido surpreendente: Deus está lá, mas a decisão de buscá-lo é do homem. Se ele quiser, esticar o dedo, tocar-lhe-á, mas não querendo, poderá passar uma vida inteira sem buscá-lo. A última falange do dedo de Adão contraída representa, então, o livre arbítrio.

A Fonte Foi Citada

Segundo o autor da publicação, esse texto teria sido retirado da página 145 de um livro chamado “A Arte Como Expressão da Vida Litúrgica“, de autoria do Padre Marko Ivan Rupnik. O livro foi publicado aqui no Brasil pela editora “Edições CNBB”, possui 228 páginas, e e custa R$ 100,00 em sua página oficial.

Segundo o autor da publicação, esse texto teria sido tirado da página 145 de um livro chamado “A Arte Como Expressão da Vida Litúrgica”, de autoria do Padre Marko Ivan Rupnik.

Quem é Marko Ivan Rupnik?

Marko Rupnik é um artista, teólogo e presbítero esloveno, da ordem dos jesuítas. Ele também é diretor do Centro Aletti, na Itália, que é basicamente um centro dedicado à arte e espiritualidade.

Em 1999, Marko Rupnik concluiu a renovação do mosaico da capela Redemptoris Mater, que foi confiada a ele pelo Papa João Paulo II. A partir de então, a arte de Rupnik estará engajada numa relação dialógica entre a iconografia da tradição oriental e a sensibilidade artística da modernidade ocidental, unida em particular pela técnica dos mosaicos cristãos. Ele já foi responsável por mosaicos na fachada do Santuário de Lourdes, na França, e as Basílicas de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, e de San Giovanni Rotondo, na Itália.

Marko Rupnik é um artista, teólogo e presbítero esloveno, da ordem dos jesuítas.

Em fevereiro de 2000, Marko Rupnik recebeu o prêmio “France Prešeren“, o maior prêmio para a cultura da República da Eslovênia. Em 2013, ele recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade Francisco de Vitória de Madri e, em 2014, da Faculdade de Teologia de Lugano. Já em 2017, o Papa Francisco nomeou Marko Rupnik como consultor da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos. Portanto, conforme vocês podem notar, estamos diante de um artista bem conhecido na Itália, principalmente no Vaticano.

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Entretanto, será que esse texto que viralizou nas redes sociais consta no livro? Michelangelo realmente projetou o afresco “Criação de Adão” com os dedos de Deus e Adão se tocando? Fizeram Michelangelo corrigir seu desenho original? Descubra agora, aqui, no E-Farsas!

Verdadeiro ou Falso?

Falso! Em primeiro lugar, o texto que viralizou nas redes sociais não consta na página 145 do livro “A Arte Como Expressão da Vida Litúrgica”, tampouco nas páginas 144 ou 146. Não compramos o livro, mas tivemos acesso as fotos dessas páginas, que foram gentilmente cedidas pela editora.

Em segundo lugar, no livro, o Padre Marko alega que Michelangelo teria originalmente desenhado os dedos de Deus e Adão se tocando, mas que teólogos (provavelmente franciscanos) fizeram que ele corrigisse o desenho, distanciando os dedos. Curiosamente, o padre não disse em que se baseou, ou seja, ele não forneceu nenhuma prova que sustentasse tal alegação. Isso porque, na verdade, tudo não passa de uma mera falácia de sua parte.

Para que vocês possam entender melhor essa história, aconselhamos que vocês acompanhem atentamente o artigo, combinado?

O Livro “A Arte Como Expressão da Vida Litúrgica”

O livro “A Arte Como Expressão da Vida Litúrgica” é basicamente composto por sete conferências, que foram gravadas em vídeo e posteriormente transcritas.

Segundo o site da editora “Edições CNBB”, “o autor dedica-se a refletir sobre o símbolo como a coisa mais original que os cristãos introduziram na cultura mundial e, em seguida, disserta sobre a estrutura do edifício eclesial, percorrendo a história e resgatando a Eucaristia como fundamento para a criação arquitetônica e artística do espaço celebrativo“.

Conforme dissemos anteriormente, entramos em contato com a editora, que gentilmente nos cedeu fotos das páginas 144, 145 e 146 do referido livro:

Página 144 do livro “A Arte Como Expressão da Vida Litúrgica”.

Página 145 do livro “A Arte Como Expressão da Vida Litúrgica”.

E a página 146 do livro “A Arte Como Expressão da Vida Litúrgica”.

O Texto da Página 145

Assim sendo, eis o trecho sobre o afresco “A Criação de Adão”, que realmente consta na página 145:

Há outro enigma na Capela Sistina: o Espírito Santo. Sim, foram encontradas muitas explicações, tentaram esclarecer, brigaram entre si. Os teólogos franciscanos e dominicanos que aconselhavam Michelangelo procuraram corrigi-lo e, certamente, foi a Escola Franciscana que no fim teve a palavra decisiva. Na figura 5.7, vê-se muito bem, porque vemos que o contorno foi corrigido, pois Michelangelo desenhou os dedos tocando-se e os teólogos fizeram com que o corrigisse (distanciando os dedos), criando dois centímetros de espaço, como para dizer: ou na religião cristã se descobre a livre adesão, isto é, o amor, ou não há mais nada a fazer, ela será simplesmente uma religião imperial, paraestatal.

Por isso, pode-se ver no desenho, que Deus fez tudo. Adão pode – não ‘deve’, mas ‘pode’ – aderir livremente. E vocês sabem que os franciscanos, como São Boaventura e outros mais, foram os únicos na Escolástica que insistiram mais sobre a relação do amor do que sobre o intelecto. E essa é a coisa mais interessante em toda a Capela Sistina

Bem, acredito que tenha ficado claro que o texto que consta no livro é muito diferente daquilo que viralizou no Facebook, não é mesmo?

Por outro lado, no livro, o Padre Marko alegou que Michelangelo corrigiu seu desenho, ou seja, originalmente os dedos de Adão e Deus se tocavam. Segundo Marko, téologos (provavelmente franciscanos) fizeram com que Michelangelo tomasse essa atitude.

Será que isso realmente aconteceu?

NADA indica isso! Em primeiro lugar, não há prova ou evidência histórica alguma que isso tenha acontecido. Em segundo lugar, há uma gama infinitamente maior de evidências contrárias do que a favor.

Entramos em contato com alguns especialiastas para falar sobre esse assunto. E, aqui, expresso minha imensa gratidão a todos aqueles que nos responderam, especialmente aos acadêmicos estrangeiros, que sempre dão nos tratam com muito respeito e efetivamente respondem aos questionamentos, independentemente do cargo que ocupam em suas respectivas instituições de ensino. Uma atitude muito diferente do que vemos, grosso modo, no Brasil.

A Análise de Ares, Pós-Graduando em História da Arte e Pesquisador Brasileiro do Renascimento Italiano

Inicialmente entramos em contato com o Ares (@arinoert no Twitter), pós-graduando em História da Arte e pesquisador brasileiro do Renascimento Italiano. Ele viralizou no Twitter ao apresentar a história de pintores renascentistas italianos de forma engraçada e educativa. E, sem dúvida alguma, o trabalho exercido por Ares é fundamental para que a história da arte seja mais acessível ao público em geral.

Eis o que o ele nos disse:

Vi essa história aqui no Twitter também, e achei bem improvável que fosse verdade. Primeiro, fui analisar a fonte, e o livro é basicamente a transcrição de uma palestra feita por um padre que é teólogo e artista, conhecido por fazer mosaicos na Europa. Ele é a única fonte dessa história, não encontrei nenhum historiador da arte falando sobre isso ou alguma menção em fontes da época. E, da perspectiva religiosa, acho que a história dessa forma seria bem bonita e atrativa de se contar.

Contudo, analisando o próprio afresco da Capela Sistina: não existia ‘curadoria’ no Vaticano pra avaliar o trabalho do Michelangelo, inclusive ele foi comissionado pelo Papa Júlio II pra fazer apenas doze apóstolos naquele teto, e acabou convencendo ele no decorrer de 4 anos a aumentar muito o projeto. Mas, mesmo assim, (e mesmo ele sendo um cara difícil demais de lidar haha) ele jamais poderia:

1) Fazer a pintura sem um desenho prévio
2) Fazer esse desenho sem antes mostrar pro Papa e ter a autorização dele.

Porque mesmo que o projeto da capela tenha sido mantido em segredo pelo Michelangelo, obviamente o Papa estava ciente e acompanhando todo o processo.

O Afresco Não Tem Marcas que Indiquem que Michelangelo Refez o Desenho

Outra coisa é o próprio afresco per se: ele não tem nenhuma marca que indique a pintura de um dedo esticado feita previamente. O afresco tem um processo de absorção rápido, é possível ver até as marcas de onde um artista parou e recomeçou o trabalho (o fim da ‘giornatta’) e a ‘Criação de Adão’, especificamente, é bem grande pra ser possível que o observador veja a cena do chão, uma vez que a Capela Sistina é muito alta. Para a tal ‘curadoria’ enxergar os detalhes, a pintura já teria que estar pronta e, se ele fosse refazer, teria marcas com certeza, e mais fontes analisando a origem delas etc.

Ares disse que não se considerava uma autoridade para dizer que o Padre Marko havia se equivocado, mas que a história carecia de fontes e havia muito mais evidências contrárias do que favoráveis. Ele considerava essa informação bem imprecisa.

Como Foi o Processo de Pintura?

Para responder a essa pergunta, encontramos uma excelente matéria publicada em 2018 no site da “National Geographic” justamente sobre a Capela Sistina!

Encontramos uma excelente matéria publicada em 2018 no site da “National Geographic.

Veja o que o texto diz sobre os desafios e problemas enfrentados por Michelangelo:

Grandes problemas técnicos assolaram o artista desde o início. Em seu livro ‘Vidas dos Mais Excelentes Pintores, Escultores e Arquitetos’, Giorgio Vasari, arquiteto, artista e escritor do século XVI, registrou alguns dos desafios de Michelangelo. A técnica de afresco usada por Michelangelo, que exigia a aplicação de tinta no gesso molhado, não deixou margem para erros ou revisões. O tempo era essencial.

Depois que os esboços foram preparados, eles tiveram que ser divididos em seções que pudessem ser concluídos em um dia. Depois que uma seção da parede era escolhida, ela era preparada primeiro com cal e depois com gesso feito de uma mistura de cinzas pozolânicas, cal e água. O desenho era transferido para o gesso e as cores eram adicionadas imediatamente.

Michelangelo trouxe alguns artistas confiáveis de sua cidade natal, Florença, para trabalhar com ele. Contudo, a receita de gesso florentino não funcionava com os materiais e o clima romanos. Manchas de mofo brotaram, e a tinta teve que ser removida e reaplicada, o que atrasou o progresso.

Enquanto isso, Júlio II ficou tão impaciente por Michelangelo concluir o projeto que, segundo Ascanio Condivi, biógrafo do artista, o papa ameaçou derrubar o pintor do andaime e, em uma ocasião, o teria atingido “com um graveto”. Finalmente, em 1512, após quatro anos de dedicação física e criativa, Michelangelo terminou seu trabalho monumental.”

Esse trecho denota, portanto, que o desenho não teria sido refeito ou que isso seria muito improvável até mesmo para Michelangelo.

Entramos em contato com Bartnior

Questionamos Ares se ele conhecia alguém que pudesse nos dar uma segunda opinião sobre esse assunto. Então, ele nos recomendou um outro usuário chamado “Bartnior”, um engenheiro civil por formação, mas que possui muito conhecimento sobre arte clássica — especialmente Da Vinci e Michelangelo. Durante a conversa recebemos diversos lições sobre os afrescos do teto da Capela Sistina.

Segundo Bartnior, e assim como dissemos anteriormente, o teto da Capela Sistina conta a história do Velho Testamento.

O corpo de Adão é a imagem ‘ideal’ do homem criada por um homem que pensa na ‘imagem ideal’ de Deus. Gênesis diz que Deus criou o homem à sua ‘imagem e semelhança’. Deus vê ‘sua imagem e semelhança’ em (o espelho que é) Adão.

Adão está reclinado na Terra (azul e verde) e se volta para Deus em uma lenta torção de seu corpo. Seu olhar expressa a saudade da vida | amor pelo pai | o desejo de retornar à sua origem (divina).

Os nove painéis do teto da Capela Sistina representam cenas icônicas do Antigo Testamento, mas, talvez, as imagens mais famosas de Michelangelo possam ser encontradas nos primeiros seis painéis, que mostram a criação do Céu, da Terra e da Humanidade de acordo com os três primeiros capítulos do Gênesis.

Cabe destacar nesse ponto que um raro desenho feito com giz de cera vermelho por Michelangelo, do corpo de Adão, foi preservado e atualmente se encontra no Museu Britânico.

Raro desenho feito com giz de cera vermelho por Michelangelo, do corpo de Adão, foi preservado e atualmente se encontra no Museu Britânico.

Outro desenho que também foi preservado foi a “Mão de Deus”, que se encontra no Museu Teylers, na Holanda:

Desenhos de Michelangelo que se encontram no Museu Teylers, na Holanda.

A “Mão de Deus” em detalhes.

Nada Consta no Livro “Vidas dos Mais Excelentes Pintores, Escultores e Arquitetos” de Giorgio Vasari

No compêndio biográfico escrito Giorgio Vasari, e publicado em 1550 por Lorenzo Torrentino, não é mencionado nada sobre um eventual desenho original feito por Michelangelo, em que os dedos de Adão e Deus estivessem se tocando.

De acordo com Bartnior, Vasari contou todos os “perrengues” que Michelangelo passou com a Igreja. Portanto, se houvesse algo dessa magnitudide, muito provavelmente isso seria mencionado no livro.

Adão Estaria se Afastando de Deus?

Acredito que quase todos imaginam Adão e Deus tocando seus dedos, mas, de acordo com Bartnior é necessário ter uma visão completa do afresco, assim como ter em mente que Michelangelo era bem fiel as escrituras. Assim sendo, estaríamos diante de “Adão se afastando de Deus”. Se imaginássemos a continuidade dessa cena, ou seja, se pudéssemos vê-la em movimento, então veríamos Adão se afastando cada vez mais, não se aproximando de Deus.

Eva Foi Criada Antes ou ao Mesmo Tempo que Adão?

Assim como o crítico de arte inglês Walter Pater (1839–1894), Bartnior nos disse que a figura feminina, de olhar limpo, que aparece envolta paternalmente pelo braço esquerdo de Deus seria Eva! Segundo ele, as outras onze figuras poderiam ser anjos ou ideias.

Há quem diga nesse ponto, que as onze figuras representariam simbolicamente as almas dos descendentes de Adão e Eva, ou seja, toda a raça humana. Essa visão da pré-existência de almas sempre foi considerada um tanto quanto herege pela Igreja Católica. Há também quem diga que aquela figura poderia ser a Virgem Maria, Sofia (a personificação da sabedoria mencionada no Livro da Sabedoria), uma alma humana personificada ou um “anjo de constituição masculina”.

Aliás, há até quem diga que a figura próxima ao ouvido de Eva seria Lúcifer, mas não entraremos aqui em mais detalhes, porque foge completamente ao nosso escopo.

Bartnior nos disse que a figura feminina, de olhar limpo, que aparece envolta paternalmente pelo braço esquerdo de Deus seria Eva.

Admitindo que estejamos diante de Eva, isso significaria que Deus já tinha criado Eva ou a tinha formada em pensamento no momento da criação de Adão. O afresco seguinte chamado de “A Criação de Eva” seria “meramente protocolar”.

Resumindo…

Para resumir, toda a fala transcrita de padre Marko não passaria de uma especulação. Não há nada que comprove o que ele disse. A leitura iconográfica dos afrescos iria numa direção contrária a ideia de que os dedos teriam sido originalmente desenhados “um tocando o outro”. Somando-se a isso temos o fato de que nada disso é mencionado na biografia escrita por Vasari.

Simplesmente transcreveram integralmente essa especulação, publicaram num livro e, posteriormente, replicaram de forma muito exacerbada e adulterada nas redes sociais. Em seguida, centenas de milhares de usuários passaram a compartilhar, e milhões foram enganados!

A Análise de Fabio Barry, Professor Assistente do Departamento de Arte e História da Arte da Universidade de Stanford

Embora tivesse um bom material para compor esse artigo, não me dei por satisfeito. Assim sendo, entrei em contato com Fabio Barry, professor assistente do Departamento de Arte e História da Arte da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

Eis o que ele disse:

A mão de Deus foi rotacionada na pintura final (originalmente desenhada com a palma da mão voltada para fora), mas os dedos nunca se tocaram. Isso é especulação ou o autor leu errado algum texto

É importante destacar que Fabio Barry é PhD em História da Arte pela Universidade de Cambridge.

A Análise de Michael Cole, Professor e Principal Acadêmico do Departamento de História da Arte e Arqueologia da Universidade de Columbia

Entrei em contato com Michael Cole, professor e principal acadêmico do Departamento de História da Arte e Arqueologia da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

Eis o que ele disse:

Não conheço nenhuma evidência que apoie essa alegação: nenhuma conversa com teólogos (dominicanos, franciscanos ou outros) sobre seu projeto, nenhum desenho original em que os dedos se tocassem. Até onde sei poucas pessoas se importaram com esse detalhe em particular antes da Skira publicar uma foto, agora famosa, em 1951.

Diga-se de passagem, Michael é especialista em arte europeia renascentista e barroca, com foco na arte da Itália dos séculos XV, XVI e XVII, e PhD em Renascimento Italiano e Arte Barroca pela Universidade de Princeton. Ele possui uma série de livros publicados sobre o período da Renascença.

A Análise de Jacqueline Marie Musacchio, Professora Associada de Arte da Faculdade Wellesley

Entrei em contato com Jacqueline Musacchio, especialista em arte renascentista italiana e arte barroca, além de ser PhD em História da Arte pela Universidade de Princeton. Jacqueline atualmente leciona na Faculdade Wellesley, em Massachusetts, nos Estados Unidos.

Inicialmente, Jacqueline nos disse que não era uma especialista em Michelangelo, mas que ela nunca tinha ouvido falar nada sobre isso. Ela até comentou que algum livro da biblioteca de sua faculdade poderia ajudar nesse sentido, mas que devido a pandemia ela estava fechada.

De qualquer forma, eis o que ela disse

“Concordo com Michael e Fabio, isso parece especulação. Se houvesse evidência física para isso, suspeito que um de nós teria se lembrado de ter lido sobre isso em algum momento!”

Jacqueline também nos recomendou que entrássemos em contato com William Wallace, da Universidade de Washington, em St. Louis. E foi justamente isso que fizemos!

A Análise de William Wallace, Diretor de Graduação em História da Arte e Arqueologia da Universidade de Washington em St. Louis

Entrei em contato com William Walace, professor e diretor de Graduação em História da Arte e Arqueologia da Universidade de Washington em St. Louis. Ele é PhD em História da Arte pela Universidade de Columbia, e simplesmente um dos maiores estudiosos de Michelangelo dos Estados Unidos e do mundo!

Ele leciona arte e arquitetura renascentista do período entre 1300 e 1700, sendo uma autoridade reconhecida internacionalmente sobre Michelangelo e seus contemporâneos. Além de mais de 90 ensaios, capítulos e artigos (além de duas obras de ficção), ele é autor e editor de oito livros sobre Michelangelo, incluindo: Michelangelo at San Lorenzo: the Genius as Entrepreneur (Cambridge, 1994); Michelangelo: Selected Scholarship in English (Garland, 1996), Michelangelo: The Complete Sculpture, Painting, and Architecture (Hugh Lauter Levin, 1998); Michelangelo: Selected Readings (Garland, 1999); Discovering Michelangelo: The Art Lover’s Guide to Understanding Michelangelo’s Masterpieces (Rizzoli 2012). Ele também é autor de uma biografia de Michelangelo chamada “Michelangelo: The Artist, the Man and his Times“.

William Wallace recebeu vários prêmios e bolsas de estudo ao redor do mundo, desde Villa I Tatti, passando pelo Centro de Estudos da Renascença da Universidade Harvard em Florença, na Itália, até um ano na Academia Americana de Roma. Ele foi o principal consultor de dois programas da rede britânica BBC sobre Michelangelo e gravou um curso audiovisual de 36 palestras chamado “The Genius of Michelangelo” para a “The Teaching Company”.

Com a palavra, William Wallace:

Não há absolutamente nenhuma base para essa alegação completamente falaciosa. Isso pôde ser determinado com precisão a partir da campanha de conservação 1980-90, na qual os conservadores foram capazes de ‘mapear’ exatamente onde Michelangelo traçou seus desenhos, o que ele pintou e onde ele fez mudanças. Esses dois dedos NUNCA se tocaram.

O relatório definitivo de conservação:

Michelangelo.  La Cappella Sistina, 3 vols. Novara, Istituto Geografico de Agostini, 1994.

      1. Documentazione e Interpretazione.  Tavole. La Volta Restaurata

      2. Rapporto sul restuaro degli affreschi della volta, ed.Fabrizio Mancinelli

      3. Atti del Convegno Internazionale di Studi (Roma, Marzo 1990), ed. Kathleen Weil-Garris Brandt.

A Análise de Emanuele Lugli, Professor Assistente do Departamento de Arte e História da Arte da Universidade de Stanford

Entrei em contato com Emanuele Lugli, professor assistente do Departamento de Arte e História da Arte da Universidade de Stanford. Emanuele Lugli ensina e escreve sobre arte medieval tardia e moderna, com ênfase particular na pintura italiana, comércio, cultura urbana e história da moda. Ele é PhD em História da Arte e Arqueologia pelo Instituto de Belas Artes de Nova York.

Eis o que ele disse:

Embora eu não seja especialista em Michelangelo, nunca ouvi nada desse tipo. O afresco de Michelangelo é particularmente famoso porque os dois dedos não se tocam. A ideia, que é o que eletrifica o afresco, parece ter sido retirada da pintura ‘Anunciação de Cestello’, de Botticelli, mas Michelangelo a reformulou de uma maneira muito mais poderosa. Michelangelo também foi influenciado pela ‘Criação de Adão’, de Jacopo della Quercia, onde as duas figuras também são separadas (elas precisam, pois pertencem a duas realidades diferentes)

As obras “Anunciação de Cestello” (1489), de Botticelli (à esquerda) e “Criação de Adão” (1425-35), de Jacopo della Quercia

Emanuele Lugli nos recomendou que entrássemos em contato com um outro especialista, mas reiteirou que provavelmente haveria a mesma incredulidade.

Entramos em Contato com o Centro Aletti

Evidentemente, entramos em contato com o Centro Aletti, uma vez que o padre Marko Ivan Rupnik é diretor, e seria muito mais fácil encontrá-lo por lá. Nosso objetivo, inclusive, era entrevistá-lo e saber em que o padre se baseou para dizer isso. No entanto, não tivemos nenhuma resposta do Centro Aletti até o fechamento deste artigo. Caso isso aconteça publicaremos um atualização, combinado?

Conclusão

Falso! Em primeiro lugar, o texto que viralizou nas redes sociais não consta na página 145 do livro “A Arte Como Expressão da Vida Litúrgica”, tampouco nas páginas 144 ou 146. Não compramos o livro, mas tivemos acesso as fotos dessas páginas, que foram gentilmente cedidas pela editora.

Em segundo lugar, no livro, o Padre Marko alega que Michelangelo teria originalmente desenhado os dedos de Deus e Adão se tocando, mas que teólogos (provavelmente franciscanos) fizeram que ele corrigisse o desenho, distanciando os dedos. Curiosamente, o padre não disse em que se baseou, ou seja, ele não forneceu nenhuma prova que sustentasse tal alegação. Isso porque, na verdade, tudo não passa de uma mera falácia de sua parte.

Portanto, uma vez que não há nenhuma evidência histórica ou artística de que tal conversa ou modificação de um suposto desenho original tenha ocorrido, concluímos ser falsa a alegação de que Michelangelo teria originalmente desenhado os dedos de Deus e Adão se tocando.

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Marco Faustinohttp://www.e-farsas.com/author/marco
Jornalista e colaborador do site de verificação de fatos E-farsas entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020. Entre junho de 2015 e abril de 2018, trabalhei como redator do blog AssombradO.com.br, além de roteirista do canal AssombradO, no YouTube, onde desmistificava todos os tipos de engodos pseudocientíficos e casos supostamente sobrenaturais.

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19 COMENTÁRIOS

  1. Gilmar, parabéns pelo excelente trabalho de pesquisa e redação. Vocês são realmente um diferencial importante nesses tempos de manipulação dos fatos e da História em prol de interesses obscurantistas (e sempre financeiros no fim, claro).
    Abraço!

  2. Gilmar, parabéns pelo excelente trabalho de pesquisa e redação. Vocês são realmente um diferencial importante nesses tempos de manipulação dos fatos e da História em prol de interesses obscurantistas (e sempre financeiros no fim, claro).
    Abraço!

  3. Parabéns pelo trabalho e pelo esforço de procurar especialistas! Sou professor de História da Arte e o artigo me ajudou a esclarecer alguns pontos que, para mim, estavam obscuros! Obrigado mesmo!

  4. Parabéns pelo trabalho e pelo esforço de procurar especialistas! Sou professor de História da Arte e o artigo me ajudou a esclarecer alguns pontos que, para mim, estavam obscuros! Obrigado mesmo!

  5. Tenho o hábito de consulta-los sobre diversos assuntos que circulam nas redes socias; sempre de muita valia, mas sobre este texto/pintura foi excepcional, extremamente elucidativo e educativo. Vocês estão de parabéns!Agradeço muito.

  6. Tenho o hábito de consulta-los sobre diversos assuntos que circulam nas redes socias; sempre de muita valia, mas sobre este texto/pintura foi excepcional, extremamente elucidativo e educativo. Vocês estão de parabéns!Agradeço muito.

  7. Perfeito Marco! Tirou a prova disso que há tempos vem me dando o que pensar… Há tempos conhecia o post original, e suspeitava que fosse falso; seu artigo esclarece absolutamente o fato! Muito obrigado!

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