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segunda-feira, março 18, 2024

Tuítes atribuídos a Jeanine Añez são verdadeiros ou falsos?

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A autoproclamada presidente interina da Bolívia, Jeanine Añez, declarou numa coletiva de imprensa, na última quarta-feira (13), que estava sendo vítima daquilo que chamou de “horda de guerreiros digitais“.  Segundo Jeanine, tais “guerreiros digitais” seriam partidários do ex-presidente Evo Morales, que teriam falsificado declarações atribuídas a ela nas redes sociais.

Isso porque, desde que Jeanine se autoproclamou presidente interina da Bolívia (antes ela era a segunda vice-presidente do Senado boliviano), na última terça-feira (12), começaram a viralizar imagens de tuítes (capturas de tela) supostamente atribuídos a ela. A maior polêmica girou em torno de tuítes considerados racistas, onde Jeanine fazia duras críticas aos povos indígenas de seu país. Numa recente entrevista para a BBC, Jeanine disse que não era uma pessoa racista e, sem citar quais tuítes teriam sido falsificados, voltou a alegar ter sido vítima dos tais “guerreiros digitais”.

Confira o conteúdo dos principais tuítes, supostamente atribuídos a Jeanine Añez, que circularam e continuam sendo disseminados como autênticos nas redes sociais.

Suposto tuíte de Jeanine Añez que vem circulando nas redes sociais.

Outro tuíte de Jeanine Añez que vem circulando nas redes sociais.

Mais um tuíte de Jeanine Añez que vem circulando nas redes sociais.

E mais outro tuíte de Jeanine Añez que vem circulando nas redes sociais.

Entretanto, será que esses tuítes foram realmente escritos por Jeanine? Será que um ou mais tuítes teriam sido forjados por tais “guerreiros digitais”? Descubra agora, aqui, no E-Farsas!

Verdadeiro ou Falso?

Três dos quatro tuítes que listamos anteriormente são verdadeiros! Os tuítes verdadeiros foram simplesmente apagados da conta de Jeanine no Twitter, assim que começaram a viralizar nas redes sociais! Contudo, tudo indica que um dos tuítes é falso! Justamente aquele onde Jeanine teria dito que sonhava com uma Bolívia livre de rituais satânicos indígenas, e que coincidentemente, foi o que mais gerou repercussão na mídia brasileira e internacional.

A seguir, mostraremos o que se sabe até agora sobre cada um desses tuítes!

1) Ano Novo Aimará (Año Nuevo Andino Amazónico y Chaco)

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O conteúdo desse tuíte é verdadeiro!

O conteúdo do tuíte é VERDADEIRO! Eis o que foi mencionado:

Nem Ano Novo Aimará, nem estrela da manhã!! Satânicos, ninguém substitui Deus!!

Foi possível encontrar três cópias desse tuíte no arquivo digital “Wayback Machine”! Basicamente, uma ou mais pessoas viram, procuraram ou se depararam com o tuíte, publicado por Jeanine no dia 20 de junho de 2013, e fizeram questão de arquivá-lo no dia 13 de novembro de 2019. No entanto, o tuíte simplesmente foi apagado da conta de Jeanine Añez após sua viralização nas redes sociais.

Foi possível encontrar três cópias desse tuíte no arquivo digital “Wayback Machine”!

Embora Jeanine Añez tenha, de fato, se referido de forma pejorativa as culturas que celebram o solstício de inverno (explicaremos isso daqui a pouco) em seu tuíte, é importante destacar que, principalmente na América Latina e Central, sempre houve um grande frenesi em taxar qualquer coisa “não-católica” de satânica. Desde um aplicativo de tábua Ouija no celular até um fidget spinner (alguém ainda lembra disso?). Também é muito comum vermos casos na mídia, onde qualquer comportamento errático de uma pessoa é atribuído como obra de Satanás. Seja pelo uso de determinados objetos ou pela leitura de determinados livros e, primordialmente, quando adoecem.

Evidentemente, isso jamais pode servir de desculpa, ainda mais para uma personalidade política, mas não é de se espantar que isso seja dito sem pudor ou que seja o pensamento, ainda que velado, de uma parte considerável da sociedade boliviana e da América Latina e Central.

Contextualizando

Em junho de 2009, o então presidente Evo Morales decretou todo dia 21 de junho como feriado nacional. Nesse dia, as atividades públicas e privadas são suspensas em comemoração ao “Ano Novo Aimará”, que coincide com o chamado solstício de inverno – um fenômeno astronômico que marca o início do inverno e que ocorre normalmente por volta do dia 21 de junho no hemisfério sul e 22 de dezembro no hemisfério norte.

Em junho de 2009, o então presidente Evo Morales decretou o dia 21 de junho como feriado nacional. Nesse dia, as atividades públicas e privadas são suspensas em comemoração ao “Ano Novo Aimará”.

Enfim, nessa data, sacerdotes do povo indígena Aimará esperam o nascer do sol com solenes rituais ancestrais de agradecimentos à Pachamama (mãe terra), tanto em Tiwanaku (um dos maiores e mais importantes sítios arqueológicos da Bolívia) quanto em outras regiões do país. Em alguns locais, no entanto, esses rituais são tão explícitos que, inclusive, são criticados por outras regiões do país, também de cultura aimará. Por exemplo, um desses rituais envolve o sacrifício de um lhama, cujo sangue serve de oferenda ao deus Sol.

Vale ressaltar nesse ponto, que o ex-presidente Evo Morales é de origem aimará e, quando eleito em 2006, se tornou o primeiro presidente indígena do país. Em 2011, seu governo obrigou as embaixadas da Bolívia a festejarem o Ano Novo Aimará, e ameaçou escritórios públicos e privados das regiões opositoras de Llanos (leste), Chaco (sul) e Amazonía (norte e nordeste) com sanções, caso não celebrassem. Diga-se de passagem, Evo Morales já criticou publicamente o calendário gregoriano (amplamente adotado ao redor do mundo) taxando-o de “muito desordenado”. Certa vez, Morales planejou substituí-lo pelo calendário aimará.

Povos Indígenas Representam Cerca de Metade da População Boliviana

Outro ponto importante a se destacar é que há dezenas de povos indígenas na Bolívia, que representam cerca de metade da população do país. Os maiores são os quíchuas e os aimarás (ambos os povos celebram o solstício de inverno), que representam 4,5 milhões dos 10 milhões de habitantes da Bolívia. Já a outra metade da população se identifica como descendentes de europeus ou como mestiços que perderam os vínculos com as culturas nativas.

Os povos indígenas habitam desde o Altiplano e as montanhas da Cordilheira dos Andes (oeste do país), passando pela Amazônia boliviana (leste e nordeste do país), até chegar a região seca do Chaco (sudeste do país)

O Calendário Aimará é Totalmente Arbitrário e sem Fundamento Histórico

Basicamente, o calendário aimará possui cinco ciclos de mil anos, sendo que o último ciclo, por mera arbitrariedade, foi encerrado em 1492 – o ano da chegada dos espanhóis no continente. Desde então são somados esses cinco ciclos de mil aos anos que se passaram desde 1492. Portanto, segundo o calendário aimará, estaríamos no ano 5.527. Contudo, existe uma grande controvérsia em relação a essa festividade. Arqueólogos, antropólogos, historiadores e até membros do movimento Aimará, vêm questionando seu uso político e comercial.

É interessante destacar que essa festividade, tal como é conhecida atualmente, foi criada na década de 1980 por um controverso historiador chamado “Germán Choquehuanca”. Ele acredita, por exemplo, que esses cinco mil anos representam 160.000 anos, que englobariam teorias de que a humanidade teria se originado nos Andes.

O controverso historiador Germán Choquehuanca.

A comemoração tornou-se popular e, em 2005, o então presidente Carlos Mesa promulgou uma lei para declarar o “Ano Novo Aimará” como Patrimônio Imaterial, Histórico e Cultural da Bolívia. Em 2009, Evo Morales tornou a data feriado nacional e, posteriormente, a festividade passou a ser chamada de “Ano Novo Andino, Amazônico e Chaco“, porque a celebração alcançou mais de 230 lugares no país considerados sagrados.

Uma Recente Entrevista de Carlos Lemuz, Presidente da Sociedade de Arqueologia de La Paz

Numa entrevista ao canal “France 24”, o presidente da Sociedade de Arqueologia de La Paz, Carlos Lemuz, disse que o suposto calendário de 5.000 anos é “completamente arbitrário” e “uma invenção que não tem relação com estudos e datação por radiocarbono” na região andina. Segundo ele, os primeiros assentamentos agrícolas naquele território são 1.500 anos antes de Cristo e o desenvolvimento em Tiwanaku ocorreu por volta dos anos 400 da nossa era.

Ainda segundo Carlos, a festividade tem tanta repercussão assim, porque há uma reivindicação cultural respeitável das populações indígenas Aimará e Quíchua, mas com “uma visão ideológica do passado”, que leva as pessoas “a confundir crença e política com fatos arqueológicos”. Enfim, a profundidade histórica reivindicada no festival não tem apoio histórico, arqueológico ou científico, mas sempre foi exaltada por Evo Morales por uma questão principalmente política.

Reação da Oposição

Desde o início, opositores de Evo Morales condenaram o estabelecimento do Ano Novo Aimará como feriado nacional. Entre os opositores sempre estiveram as alas mais conservadoras e cristãs da sociedade boliviana. Para muitos, as práticas realizadas durante as comemorações pelo país são vistas como satânicas. Assim sendo, o teor da discussão não é somente político, mas também religioso.

2) Originários

O conteúdo desse tuíte é verdadeiro!

O conteúdo do tuíte é VERDADEIRO! Eis o que foi mencionado:

Originários??? Vejam

Foi possível encontrar 215 cópias desse tuíte no arquivo digital “Wayback Machine”! Basicamente, dezenas ou centenas de pessoas viram, procuraram ou se depararam com o tuíte, publicado por Jeanine no dia 6 de novembro de 2019, e fizeram questão de arquivá-lo nos dias 13 e 14 de novembro de 2019.

No entanto, o tuíte foi simplesmente apagado da conta de Jeanine Añez após sua viralização nas redes sociais. Nele, ela demonstra um comportamento que já vimos em diversos casos que abordamos aqui no E-Farsas: a estereotipação do indígena. Ela questiona se as pessoas que aparecem na foto são realmente de origem indígena por estarem usando calças jeans e sapatos/tênis modernos.

Ao se deparar com indivíduos que se identificam com alguma cultura nativa, suas roupas ou modo de agir é automaticamente limitado a um padrão primitivo. Como se toda pessoa de origem indígena tivesse que necessariamente usar cocar, pinturas no rosto e sair andando de tanga no meio da rua. Qualquer vestimenta que fuja a esse estereótipo passa a servir de instrumento conspiratório, como se um determinado lado contratasse pessoas para se passarem por índios em manifestações, por exemplo. Não estamos dizendo que isso não possa, tenha ocorrido ou venha ocorrer um dia, mas a existência desse tipo de pré-julgamento é inegável.

3) Pobre Índio

O conteúdo desse tuíte é verdadeiro!

O conteúdo do tuíte é VERDADEIRO! Eis o que é mencionado:

Agarrado ao poder, o ‘pobre índio’

Foi possível encontrar quatro cópias desse tuíte no arquivo digital “Wayback Machine” em diversas datas! Temos uma cópia datada de 5 de outubro de 2019, quando Jeanine originalmente publicou a imagem em seu Twitter, assim como cópias datadas de 12 e 13 de novembro de 2019. No entanto, o tuíte foi simplesmente apagado da conta de Jeanine Añez após sua viralização nas redes sociais.

Contextualizando

Segundo o G1, no dia 5 de outubro de 2019, centenas de milhares de manifestantes marcharam pelas ruas da maior cidade da Bolívia, Santa Cruz de La Sierra, questionando o presidente Evo Morales e a resposta de seu governo aos incêndios que destruíram amplas áreas de florestas do país neste ano. O governo de Morales disse que uma declaração de desastre poderia convidar a intromissão estrangeira em uma questão soberana, ecoando preocupações expressas também pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e que provocou protestos globais pela maneira como tratou os incêndios na Amazônia brasileira.

Na época, pesquisas apertadas mostravam que Morales, líder esquerdista mais antigo da América Latina, podia ser forçado a um segundo turno com seu principal rival, Carlos Mesa, um ex-presidente do país. Portanto, apesar do contexto eleitoral, Jeanine Añez novamente utilizou a questão indígena de forma pejorativa como parte de sua crítica política.

4) O Sonho de Jeanine Añez?

O conteúdo desse tuíte é FALSO!

O tuíte é FALSO! Confira abaixo o que está escrito:

Sonho com uma Bolívia livre de ritos satânicos indígenas, a cidade não é para os índios, que eles vão para o Altiplano ou para o Chaco!!

A imagem desse tuíte foi a que mais viralizou e repercutiu nas redes sociais. Isso porque, ao contrário dos demais, Jeanine teria comparado explicitamente os rituais indígenas a rituais satânicos. E, além disso, teria sugerido que os indígenas não pudessem fazer parte da sociedade boliviana, tendo que “retornar as suas regiões de origem”.  Já na mídia, a disseminação ocorreu desde sites ideologicamente enviesados, assim como o “Esquerdiário” e o “Diário do Centro do Mundo“, passando por veículos de imprensa mais renomados, assim como a “Folha de São Paulo”, até chegar ao universo dos colunistas (1 | 2).

Entretanto, não encontramos nenhum indício que esse tuíte, em específico, tenha sido realmente escrito por Jeanine Añez. Não há nenhum rastro deixado por ele em mecanismos de busca, no próprio Twitter (o tuíte poderia aparecer como deletado bem acima de uma resposta), no Wayback Machine (ou qualquer outro arquivo digital) ou qualquer URL do referido tuíte. Não há absolutamente nada.

Outros Sites de Checagem Também Não Encontraram Nada

E não somos apenas nós que não encontramos tais indícios. Colegas do site “Boatos.org“, “Bolivia Verifica” “Maldita.es” e da “AFP Factual” também não encontraram nada.Portanto, especificamente nesse caso, tudo indica que Jeanine Añez foi realmente vítima de um ou mais usuários mal-intencionados, que se aproveitaram da situação para disseminar a imagem de um tuíte falso.

Um exemplo disso é o tuíte abaixo, onde uma conta recém-criada compartilhou a imagem e uma suposta URL que, a princípio, muitos pensariam que provaria a existência do tuíte. Contudo, a URL é referente ao tuíte do “Ano Novo Aimará”!

Especificamente nesse caso, tudo indica que Jeanine Añez foi realmente vítima de um ou mais usuários mal-intencionados, que se aproveitaram da situação para disseminar a imagem de um tuíte falso.

Dois Interessantes Detalhes que Corroboram Para que o Tuíte Seja Falso!

A imagem que mais viralizou nas redes sociais mostrava o falso tuíte de Jeanine Añez com 20 retuítes e 46 curtidas (nos demais casos essa parte foi suprimida). Contudo, se voltarmos no tempo e verificarmos os tuítes que ela publicou naquele mesmo dia (14 de abril de 2013) veremos que não há nenhuma atividade de seguidores em perfil. Os demais tuítes daquele dia não possuem compartilhamentos ou curtidas.

Se Jeanine realmente tivesse publicado algo assim, com certeza chamaria a atenção de centenas ou milhares de usuários no Twitter. Contudo, não há nenhuma atividade significativa e que pudesse indicar alguma polêmica naquele dia.

Não há nenhuma atividade significativa no perfil de Jeanine Añez que pudesse indicar alguma polêmica naquele dia.

Outro detalhe é que não temos nenhuma outra imagem, exceto esta do suposto tuíte. Não há nenhuma captura de tela em modo escuro, com qualquer outro formato de data e horário ou com outra foto de perfil, que por sua vez foi atualizada no dia 13 de novembro deste ano.

Conclusão

Três dos quatro tuítes que listamos neste artigo são VERDADEIROS, e foram deletados de maneira deliberada da conta de Jeanine Añez após a viralização nas redes sociais!

Entretanto, tudo indica que o tuíte sobre o sonho de Jeanine de uma Bolívia livre de rituais satânicos indígenas seja FALSO! Em nosso artigo apresentamos uma série de motivos, que nos levam a concluir que esse tuíte nunca foi, de fato, publicado.

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Marco Faustinohttp://www.e-farsas.com/author/marco
Jornalista e colaborador do site de verificação de fatos E-farsas entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020. Entre junho de 2015 e abril de 2018, trabalhei como redator do blog AssombradO.com.br, além de roteirista do canal AssombradO, no YouTube, onde desmistificava todos os tipos de engodos pseudocientíficos e casos supostamente sobrenaturais.

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