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quarta-feira, abril 24, 2024

As tranças nagôs foram usadas por escravos para fazer mapas e rotas de fugas no Brasil?

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Um tema recorrente nas redes sociais é a utilização das tranças nagôs durante o período que perdurou a escravidão no Brasil. Inúmeros perfis e páginas, no Facebook, geralmente compartilham uma determinada imagem (igual aquela que colocamos na capa) com diversos desenhos feitos com cabelos trançados, além de uma frase que diz:

No Brasil, no período da escravidão, a trança nagô foi utilizada para fazer mapas e desenhar rotas de fugas dos quilombos

Foi exatamente essa imagem, que uma página chamada “Madalena sem filtro” – alegadamente dedicada ao empoderamento feminino – publicou no dia 15 de agosto de 2019, no Facebook (arquivo). Como era de se esperar, a publicação viralizou e já obteve mais de 16 mil compartilhamentos.

Publicação da página “Madalena sem filtro”.

No entanto, numa rápida pesquisa em mecanismos de busca, logo percebemos que tal assunto não se limita as redes sociais. Encontramos alguns sites brasileiros, que publicaram sobre isso em 2018. Entre eles podemos citar: “Las Pretas“, “As Negas do Ziriguidum” e “Arte no Caos“. Talvez, o mais interessante seja o site “Las Pretas”. O motivo? A postagem lista cerca de doze fontes para tentar provar a veracidade daquilo que alegam. Eis um pequeno trecho, ipsis litteris:

Aqui no Brasil e em outros países da América Latina como a Colômbia, no período da escravidão elas foram usadas de maneira muito inteligente, como forma de comunicação entre os negros. As mulheres negras tinham o costume da trançar seus cabelos e faziam os mapas na cabeça umas das outras, desenhados com as tranças para encontrar o caminho nas fugas para os quilombos. A simbologia da resistência também é muito forte nas tranças nagô

Entretanto, será que isso realmente acontecia no Brasil? E no restante dos países da América Latina? Qual a realidade por trás de tal alegação? Descubra agora, aqui, no E-Farsas!

Verdadeiro ou Falso?

Não há estudos ou artigos que comprovem que as tranças nagô tenham sido utilizadas dessa forma no Brasil ou de maneira generalizada em demais países da América Latina, exceto a Colômbia. Além disso, embora haja textos publicados por acadêmicos que apontem, que isso tenha acontecido na Colômbia, estes são originados a partir de uma única evidência anedótica, que carece de maiores comprovações. Tal evidência anedótica consiste nas memórias de infância relacionadas a conversas de uma única cidadã colombiana com sua avó.

A seguir, vamos explicar direitinho essa história para vocês. Vale muito a pena conferir!

O que é uma “Trança Nagô”?

Antes de mais nada é necessário saber o que é uma “trança nagô”. Por definição seria um penteado de cabelo, que era comumente utilizado por nagôs (ou anagôs), que por sua vez era a designação dada aos negros escravizados e vendidos na antiga Costa dos Escravos (áreas costeiras dos atuais Togo, Benim e Nigéria, na África Ocidental) entre os séculos XV e XIX, e que falavam o iorubá.

Atualmente, no entanto, as tranças nagôs são amplamente utilizadas por diversos homens e mulheres, independentemente da cor de suas peles, ao redor do mundo.

Exemplos de tranças nagôs que foram publicadas pelo Blog “Trança Nagô”.

Qual a Origem da “Trança Nagô”?

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É interessante destacar, que o simples ato de trançar os cabelos, em si, não teria tido necessariamente origem na África. Isso porque há quem acredite que as estátuas da “Vênus de Brassempouy” e da “Vênus de Willendorf” – ambas descobertas em sítios arqueológicos do período paleolítico na Europa – representem mulheres com cabelos trançados ou então algum tipo de adorno destinado a cobrir os cabelos. Tais artefatos datariam entre 22 mil a 24 mil anos a.C.

As estátuas da “Vênus de Brassempouy” (à esquerda) e da “Vênus de Willendorf” (à direita). Embora a “Vênus de Brassempouy” seja apenas um busto, ela é classificada como uma espécie de mini estátua.

Por outro lado, há quem diga que o estilo de penteado visto na “trança nagô” remontaria a cultura Nok – uma sociedade que teve origem por volta de 1.500 a.C, no norte da atual Nigéria. Contudo, por circunstâncias desconhecidas, essa sociedade desapareceu por volta de 500 d.C. Eles faziam esculturas em terracota, porém não se sabe até hoje para qual finalidade. Nelas é possível notar cabeças, tanto masculinas quanto femininas, cujos penteados são particularmente detalhados e refinados.

Escultura em terracota pertencente a cultura Nok.

Uma Certa Imprecisão Histórica

Ainda assim há uma certa imprecisão histórica. Isso porque há uma grande variedade de estilos de penteados africanos, assim como as mais variadas ornamentações. Varia muito de acordo com as etnias e com as regiões onde os povos predominam ou predominavam. Além disso, outros povos ao redor do mundo também utilizaram tranças como marcas identitárias. Resumindo? O ato de trançar os cabelos ou utilizá-los de maneira trançada, grosso modo, não é algo exclusivo de povos africanos.

Visualmente, o mais próximo de uma trança nagô seria um penteado conhecido em inglês como “cornrow“. Ele possui esse nome, porque as tranças nos lembram as fileiras de uma plantação de milho, embora elas possam ser formadas por desenhos geométricos ou curvilíneos elaborados. Portanto, tal penteado é considerado, de maneira genérica, como um antigo estilo africano tradicional de entrelaçamento de cabelo, no qual este é trançado muito próximo ao couro cabeludo, usando um movimento para cima e para baixo, para fazer uma linha contínua e elevada.

Segundo a Enciclopédia da História Africana – Volume 1, uma das primeiras evidências de tais tranças (nagô/cornrow) foram encontradas em pinturas nas cavernas do Planato de Tassili n’Ajjer, no deserto do Saara. Elas datariam entre 8.000 e 6.000 a.C.

Um Rápido Apanhado Sobre a Simbologia das Tranças Nagôs (Cornrows)

Poderíamos ficar horas aqui falando sobre a simbologia do cabelo e das tranças ao redor do mundo. Esse é um campo fascinante e culturalmente muito rico. Contudo, vamos nos limitar as tranças nagôs, combinado? Assim sendo, segundo o site do Instituto Politécnico Rensselaer, em Nova York, o penteado “cornrow” (aqui referido como trança nagô) abrange um amplo terreno social. A religião, parentesco, status, idade, etnia e outros atributos de identidade, grosso modo, podem ser expressos por esse penteado.

De acordo com o site “On Check”, homens e mulheres usavam conchas, vidros, corais, flores e galhos frescos, entre outros itens, para enfeitar suas tranças e expressar suas personalidades. Já o site “Hair History” cita algumas crenças que tribos africanas teriam em comum. Segundo o site, o cabelo deve ser cortado numa lua cheia para que ele cresça por mais tempo; duas pessoas trançando o cabelo de uma pessoa ao mesmo tempo pode resultar na morte de uma das trançadeiras; as mulheres grávidas não devem trançar o cabelo dos outros, e o cabelo não deve ser penteado ou trançado a céu aberto. Interessante, não é mesmo?

Foto de penteado “cornrow”, no estilo Mende, tirada em 1970 (à esquerda) e outra foto de penteado “cornrow”, no estilo Dan, na Costa do Marfim, tirada em 1939.

Enfim, tão importante quanto o ato de fazer tranças, que transmite valores culturais entre gerações, o penteado expressa os laços entre amigos e estabelece o papel do praticante profissional. Vale ressaltar, que há décadas elas são utilizadas como uma forma das pessoas relembrarem seus antepassados ou meramente como uma questão de estilo pessoal. Pluralidade com respeito é sempre importante.

Foto da atriz Bo Derek por volta de 1979.

A Utilização das Tranças Nagôs no “Novo Mundo”

Segundo um artigo denominado “Conhecimentos Etnomatemáticos Produzidos Por Mulheres Negras Trançadeiras”, publicado na “Revista da ABPN”, em junho de 2017, as preocupações dos(as) africanos(as) com o corpo e os cabelos são muito antigas e não se iniciaram no chamado “Novo Mundo”. No entanto, elas teriam sofrido novas abordagens e teriam sido transformadas de acordo com a violência do sistema escravagista. Ao menos essa seria a percepção a partir de um livro publicado pela pedagoga brasileira Nilma Lino Gomes, chamado “Sem perder a raiz”, em 2006.

Então, na página 133 é mencionado um artigo publicado por terceiros em 2016, onde é dito que:

…durante o período de escravização dos povos africanos na Colômbia, os penteados trançados eram utilizados como mapas de fugas para os Palenques. Eles serviam como comunicados para os escravizados escaparem das condições que se encontravam.

Resumo do artigo publicado no site da Revista da ABPN.

Segundo o artigo publicado na “Revista da ABPN”, os penteados transmitiriam um código que somente os detentores de uma sutil linguagem poderiam acessar. Isso sem contar, que seria um dos principais objetos utilizados na resistência política ao sistema escravista. Ainda segundo o artigo, esses momentos marcariam a perspicácia dos grupos africanos ao retratarem nos corpos, seus saberes, ou seja, eles registravam mapas e rotas de fugas nos corpos. Já para os colonizadores tais penteados significavam apenas a pertença étnica (um modo de ser e existir específico).

Entretanto, em nenhum momento o artigo da “Revista da ABPN” diz que isso aconteceu no Brasil ou nos demais países da América Latina, exceto a Colômbia!

O Artigo Publicado por Lawo-Sukam e Acosta em 2016

Em 2016, o Dr. Alain Lawo-Sukam, professor associado de Estudos Hispânicos e Estudos Africanos da Universidade Texas A&M, e a Dra. Gina Viviana Morales Acosta, então pertencente a Universidade de Santiago do Chile, elaboraram um artigo denominado “Estéticas decoloniales del peinado afro e interculturalidad: experiencia San Basilio de Palenque, Colombia“.

Artigo publicado pelo Dr. Alain Lawo-Sukam e pela Dra. Gina Morales Acosta, em 2016.

É justamente esse o artigo citado pela “Revista da ABPN” para justificar a utilização dos penteados para fazer mapas ou rotas de fugas durante o período da escravidão na Colômbia. Assim sendo, que tal conferi-lo mais de perto? A seguir, vamos comentar apenas alguns trechos deste artigo, visto que a tradução completa é desnecessária para nossa desmistificação.

Os Palenques ou Quilombos

Inicialmente, o texto fala sobre os “palenques”. E o que seria isso? Bem, os palenques seriam comunidades formadas por escravos africanos que fugiram dos seus senhores e viviam a margem da lei. Isso, é claro, durante o período de colonização das Américas. No Brasil, isso seria equivalente aos quilombos. Assim sendo, tais palenques (ou quilombos). como bem sabemos, existiram em diversos países da América Latina. Entre eles podemos citar o Brasil, a Colômbia, a Venezuela, o Peru etc..

Obra do pintor alemão Johann Moritz Rugendas, intitulada “Habitation de Nègres” (“Casa de Negros”, em português). A obra retrata uma casa de escravos, próxima da casa de seus senhores, no Brasil. A data? Entre os anos de 1822 e 1825. A Biblioteca Luso-Brasileira, entanto, data a obra de 1835.

No entanto, o mais popular de todos eles seria o que atualmente conhecemos como a cidade de San Basilio de Palenque. Uma cidade colombiana, com cerca de 3.500 habitantes, e considerada “um pedaço da África na Colômbia”. Ela fica localizada a mais de 1.000 km ao norte da capital Bogotá, e foi declarada patrimônio intangível e imaterial da humanidade pela Unesco, em 2005.

Foto de San Basilio de Palenque, na Colômbia.

Os Questionamentos Sobre a Fundação de San Basilio de Palenque

Muitos sites relacionam a fundação da cidade à figura emblemática do libertador Benkos Biohó. Este, por sua vez, teria nascido em uma família real no Arquipélago dos Bijagós (parte da Guiné-Bissau), e se tornado escravo na mão dos espanhóis. Alega-se que ele também teria formado uma rede de inteligência e usado a informação coletada para ajudar a organizar mais fugas e guiar os escravos fugitivos para a cidade.

Entretanto, estudos recentes conduzidos por historiadores como María Cristina Navarrete (2008), Graciela Maglia e Armin Schwegler (2012) e Alfonso Cassiani (2014) questionam essa alegação.

Estátua de Benkos Biohó em San Basilio de Palenque, na Colômbia.

Citando obras anteriores de Patino Rosselli, Nina de Friedemann e Del Castillo, o Dr. Armin Schwegler, da Universidade da Califórnia, por exemplo, apontou que o mito sobre a imagem de Benkos Biohó é tão somente um produto literário da “fértil imaginação poética do autor Camilo Delgado em seu livro ‘Historias, leyendas y tradiciones de Cartagena’ (1913)“,

Não entraremos em maiores detalhes sobre isso, visto que não é o foco do nosso artigo. Contudo, para vocês terem uma ideia, até mesmo a data de fundação da cidade é alvo de questionamentos.

Uma Situação Ocorrida Particularmente na Colômbia ou Somente na Região de San Basilio de Palenque?

Dentro desse artigo, há trecho muito peculiar no subtítulo “Concepción histórica del peinado afro en Colombia“. Acompanhe conosco (devidamente traduzido):

Se a capoeira serviu aos afrobrasileiros como uma arte (marcial) para enganar os sistemas de vigilância opressivos e atacar/defender-se contra tropas portuguesas, os afrocolombianos em geral e as escravizadas, que particularmente fugiam em direção a Palenque, usaram a estética do penteado como uma arma oculta para libertar-se do domínio colonial, seja como um guia/mapa geográfico para a emancipação ou como mecanismo de sobrevivência alimentar (para esconder sementes e ouro).

Esse trecho é muito interessante, visto que, assim como no artigo anterior, em nenhum momento é citado que tal situação ocorreu no Brasil. Embora ele seja muito mal escrito, o subtítulo nos fornece outros elementos indicando que tais utilizações dos penteados ocorreram somente na Colômbia. Os tais mapas e rotas de fuga teriam como destino San Basilio de Palenque.

Trecho do artigo publicado por Lawo-Sukam e Acosta em 2016

O artigo ainda cita o trecho de um outro texto chamado “Peinados afrocolombianos ocultan un secreto“, que teria sido publicado em 2007, no Jornal “El Colombiano”, de autoria de uma jornalista chamada Juliana Correa, que diz:

Os mapas começavam na parte da frente e iam adentrando até a nuca. Os escravos estabeleciam códigos ocultos para interpretar tais mapas formados por nós e tranças. As tranças também serviam para estabelecer locais de encontro.

Curiosamente, não é mencionado que as informações de Juliana Correa não partiram dela, mas de terceiros. O artigo tenta estabelecer Juliana como fonte confiável para manter essa narrativa. No entanto, conforme veremos a seguir, ela é extremamente frágil desde a sua origem.

Tudo tem uma Origem! O TCC de Lina María Vargas Álvarez, de 2003!

Vamos recapitular para vocês não se perderem. Nossa jornada partiu de um “meme” publicado nas redes sociais, passou por sites brasileiros que abordaram esse tema, por um artigo publicado em 2016, e chegou até um texto publicado num jornal colombiano. Tudo isso para chegar até um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) de uma colombiana chamada Lina María Vargas Álvarez, datado de 2003! A temática do trabalho de Lina Vargas consistia basicamente sobre salões de beleza afrocolombianos em Bogotá.

Foi exatamente desse TCC, que Juliana Correa extraiu as informações para compor seu texto. Posteriormente, o texto de Juliana e o TCC de Vargas foram utilizados, separadamente, para sustentar essa hipótese sobre as tranças nagôs/cornrows.

Um Problema Crucial

Embora o TCC seja bem extenso e interessante, os trechos sobre os penteados servirem como mapas ou para guardar sementes partiram das memórias de infância de conversas que uma professora de dança e Educação Física chamada Leocadia Mosquera Gamboa, na época com 51 anos, nascida em Quibdó, capital do departamento de Chocó, na Colômbia, teve com sua avó materna, chamada Gregoria Gamboa Becerra. Gregoria teria falecido, quando Leo tinha cerca de 7 anos.

Gregoria, por sua vez, também se recordaria de histórias contadas por sua mãe, ou seja, a bisavó da Leocardia. A bisavó de Leocardia é quem teria sido escrava, ao menos de acordo com Gregoria. Não há nenhuma documentação, diário ou livro. Tudo teria sido transmitido oralmente.

Trecho do TCC dizendo que as memórias teriam sido transmitidas tão somente de forma oral.

Trecho do TCC mostrando que as informações partem tão somente de Leocardia. Seu discurso é embasado nas memórias de conversas que ela teve com sua avó.

Trecho do TCC dizendo que Leocardia teve contato com sua avó até os sete anos de idade.

A própria Leocardia admite que Gregoria é quem dizia que a mãe dela (bisavó de Leo) era africana. No entanto, ela mesma questionava isso, sem ter plena certeza, visto que a avó “não era tão negra assim”.

Portanto, mais uma vez, não há nenhuma referência ao Brasil. Além disso, as alegações relacionadas a Colômbia tratam-se de evidências anedóticas, que carecem de maiores comprovações. Tudo o que temos são alegações baseadas nas memórias de infância de conversas de uma única pessoa com sua avó. Não estamos desmerecendo ou desqualificando tais histórias, apenas classificando-as em relação ao que realmente são.

Escravidão, Tranças, Mapas e Sementes, diz Leocardia

Eis o que foi escrito nas páginas 122 e 123 do referido TCC:

Para planejar a fuga de seus senhores, as mulheres se reuniam em torno das cabeças das menores (no sentido de crianças) e, graças à observação do terreno, projetavam um mapa repleto de caminhos e saídas de fuga, indicando as montanhas, rios e árvores mais altas. Os homens, ao vê-las, conseguiam saber por onde partir. A linguagem no corpo, com códigos desconhecidos aos seus senhores, permitia que as pessoas fugissem. Assim sendo, os penteados que poderiam ter servido como marcadores de status tribal, étnico e até social, tiveram um papel preponderante como uma bela linguagem, mas complexa e secreta para aqueles que não a conheciam.

(…) O cabelo, a cabeça e o corpo não servem apenas como cenários de resistência, mas também como receptáculos de vários elementos, que podem permitir que as pessoas tirem proveito das situações desfavoráveis em que estão imersas. Segundo Leo, as tranças serviram para levar sementes durante a viagem forçada pelo Atlântico. ‘Traziam para cá as sementes oriundas da África. Traziam em meios as tranças e, durante a escravidão, as tranças as escondiam’, disse Leo. Assim como as sementes, as mulheres no campo guardavam resquícios de ouro e platina que coletavam para elas mesmas ou protegendo de possíveis ladrões

Curiosamente, não há menção sobre “tranças nagôs”, mas sobre “tropas”, que seriam tranças tecidas com três segmentos de cabelo. Elas também teriam um senso histórico de resistência à dominação. De qualquer forma, uma vez que tanto “trança nagô” e “cornrow” são termos genéricos, seria possível encaixar as “tropas” nessa definição.

Alegações sem Provas

Lina Vargas, então aspirante ao título de socióloga, considerou que o relato era uma profunda experiência de uma resistência histórica que vivia e era incorporada em Leocardia. Conseguem entender o problema? Estamos no campo dos relatos, ou seja, evidências anedóticas. Para afirmar que tal situação ocorreu de forma generalizada na Colômbia, no Brasil e demais países da América Latina, precisamos confiar plenamente nas memórias de uma única pessoa, que não tem como afirmar que tal situação aconteceu. Apenas pode relatar o que supostamente teria conversado com a avó entre os três e sete anos de idade. Isso é claro, de acordo com o que ela lembra.

A avó sequer morava com Leocardia em Quibdó, mas em Istamina, outro município de Chocó. Embora Leo tenha alegado que visitava a avó, não sabemos com que frequência isso acontecia. Além disso, foi a avó de Leocardia que disse que sua mãe (bisavó de Leocardia) teria sido africana e escrava em território colombiano. Não há registro ou outras testemunhas que possam corroborar com essa informação. Não há livros, diários, documentos, nada. Não temos a inclusão de outras pessoas, desconhecidas entre si, que possam atestar tais alegações. Também não há o cruzamento de informações ou qualquer coesão entre narrativas de diferentes pessoas de diversas localidades.

Num determinado trecho do TCC, Leocardia admitiu que não sabia como era o bisavô! Isso porque a avó (Gregoria), segundo suas próprias palavras, “não era tão negra assim”. Apenas disse que o bisavô era um zambo, ou seja, mestiço de negro com indígena. Ainda assim, a avó contava que era oriunda de uma família de reis por parte de mãe. Enfim, toda a narrativa é construída em cima de um único relato.

Perguntas sem Respostas

Será que outras bisavós ou avós afrocolombianas também transmitiram tais informações aos seus bisnetos e netos? Em quais regiões isso acontecia? Era de forma generalizada? Havia alguma coordenação central? Como podemos comprovar que isso realmente aconteceu? O quão confiável é a memória de Leocardia? O quão confiável era a memória de sua avó? Os textos, aqui citados, não respondem a essas perguntas.

É inegável a herança cultural deixada por escravos africanos na Colômbia. Contudo, certas alegações carecem de provas e não poderiam ser validadas de forma tão subjetiva.

Erroneamente, o TCC de Lina Vargas foi validado de forma subjetiva ao longo do tempo. Houve uma generalização apressada para afirmar que isso aconteceu não somente em todo território colombiano, mas em diversos países da América Latina. No entanto, diante da escassez de provas, afirmar isso é incorreto.

Querer acreditar em algo não torna esse algo necessariamente verdadeiro. Qualquer pesquisador ou investigador que se preze deveria saber isso.

Bônus: A Origem da Imagem Utilizada no “Meme” Disseminado nas Redes Sociais

Para finalizar esse artigo, achei interessante mostrar a vocês a origem do “meme” disseminado nas redes sociais. A imagem é composta por recriações artísticas, que fazem parte de um trabalho denominado “The Dreamtime”, iniciado em 2008 e concluído em 2010, da pintora e artista visual sul-coreana So Yoon Lim. Em seu site pessoal, ela alega ter nascido na Coreia do Sul. Contudo, ela também alega ter morado no Quênia e em Uganda até os sete anos de idade.

Aquelas cabeças que vemos na imagem são pinturas hiperrealistas em acrílico! Os padrões de penteados são baseados em fotos que ela tirou de estudantes e desconhecidos, que ela encontrou em na cidade de Paterson, no estado norte-americano de Nova Jersey, onde ela trabalhou por cerca de nove anos. A perspectiva aérea das pinturas empresta uma estética abstrata e contemporânea às imagens, enfatizando a complexidade dos padrões como se fossem labirintos. Lim descreve esses padrões como se assemelhassem a “mapas topográficos”. O título da série sugere ainda a ideia dos penteados como mapas ou caminhos. Contudo, não há uma relação direta com a narrativa colombiana.

O “meme”, na verdade, é constituído por pinturas hiperrealistas da artista sul-coreana So Yoon Lym.

O título “The Dreamtime” é uma referência as “Songlines” da Austrália aborígene. “Songlines” eram mapas que existiam na forma de música, muito antes da cartografia escrita. Eles foram criados e usados pelos indígenas australianos para navegar e entender a terra em que viviam. Tais canções foram passadas de geração em geração, para que as gerações futuras soubessem como navegar em seus territórios, assim como nas tribos vizinhas.

A Entrevista de So Yoon Lim para a Revista “Infringe”

Numa entrevista concedida a revista “Infringe”, em fevereiro de 2017, So Yoon Lim disse:

Os indivíduos foram colocados de maneira a obscurecer suas identidades o tanto quanto fosse possível. Apresentei como uma série de padrões vistos de cima e por trás. Queria abstrair os elementos visuais do cabelo e criar a aparência de mapas topográficos.

(…) Em muitos deles resolvi clarear consideravelmente o couro cabeludo para dar uma representação mais gráfica de um padrão de desenho. Então, isso poderia ser visto como um símbolo, um mapa, uma impressão digital de cada personalidade única e individual que era o indivíduo. As pinturas destinavam-se a recriar o cabelo de forma a mostrar a arte da construção da trança de cabelo ‘cornrow’. Também queria que o espectador ficasse fascinado pela precisão do cabelo pintado à mão, porque as ‘pinturas’, na minha imaginação, têm um propósito, e um dos propósitos de uma pintura é ‘reapresentar’ ou ‘recriar’ algo novo.

Foto de So Yoon Lim.

A Intenção de So Yoon Lim

Agora, reparem na intenção de So Yoon Lim:

Quando comecei a série de pinturas maiores e mais ambiciosas, pensei muito num título. Decidi chamar “The Dreamtime” como uma referência as “Songlines” da Austrália aborígene, que faz referência à conexão do aborígene australiano com a natureza, a terra, histórias ancestrais e a mitologia. Nos Estados Unidos, o cabelo e a história da trança de cabelo ‘cornrow’ estão fortemente ligados e associados à história da escravidão até o Movimento dos Direitos Civis. Sempre pensei em mim como um cidadã do mundo e, ao longo da minha vida, tentei pensar e entender como diferentes grupos de pessoas e culturas se somam ao mundo da criação de mitos em termos do mundo em geral.

Portanto, embora estejamos diante de pinturas hiperrealistas baseadas em indivíduos reais, a impressão que temos dos penteados serem mapas topográficos não passa de uma recriação artística. A artista não cita o Brasil, a Colômbia ou qualquer outro país da América Latina. Sua obra é inspirada na tradição dos aborígenes australianos, que interpretavam mapas através de canções.

Quanta coisa, não é mesmo? Enfim, esperamos que o artigo seja útil para esclarecer essa história. A seguir, vamos a tão esperada conclusão!

Conclusão

Uma vez que este artigo aborda diversas questões, será necessário pontuar nossa conclusão.

  1. Não há estudos ou artigos que comprovem que as tranças nagô tenham sido realmente utilizadas como mapas ou rotas de fugas por escravos no Brasil! Também não há nada indicando que tenha acontecido de maneira generalizada em demais países da América Latina, exceto a Colômbia. Isso porque os artigos amplamente citados como fontes se referem tão somente a Colômbia. Assim sendo, classificamos a atribuição da frase ao Brasil como “Fora de Contexto”;
  2. Embora haja textos publicados por acadêmicos que apontem, que isso tenha acontecido na Colômbia, estes são originados a partir de uma única evidência anedótica, publicada num TCC, que carece de maiores comprovações. Tal evidência anedótica consiste nas memórias de infância relacionadas a conversas de uma única cidadã colombiana com sua avó. Assim sendo, classificamos a alegação sobre a Colômbia como “Indeterminado”;
  3. A imagem do “meme” que viralizou nas redes sociais é composta por recriações artísticas, que fazem parte de um trabalho denominado “The Dreamtime”, iniciado em 2008 e concluído em 2010, da pintora e artista visual sul-coreana So Yoon Lim. Embora estejamos diante de pinturas hiperrealistas baseadas em indivíduos reais, a impressão que temos dos penteados serem mapas topográficos não passa de uma recriação artística. A artista não cita o Brasil, a Colômbia ou qualquer outro país da América Latina. Sua obra é inspirada na tradição dos aborígenes australianos, que interpretavam mapas através de canções. Sua imagem foi tirada do contexto original. Assim sendo, classificamos sua utilização, em conjunto com a frase que acompanha o “meme”, como “Fora de Contexto”.
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Marco Faustinohttp://www.e-farsas.com/author/marco
Jornalista e colaborador do site de verificação de fatos E-farsas entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020. Entre junho de 2015 e abril de 2018, trabalhei como redator do blog AssombradO.com.br, além de roteirista do canal AssombradO, no YouTube, onde desmistificava todos os tipos de engodos pseudocientíficos e casos supostamente sobrenaturais.

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54 COMENTÁRIOS

  1. @Marco Faustino, nossa! Estou PASMA com a quantidade e a qualidade das informações que você coletou nesta sua matéria a respeito de História, Escravidão, Cultura, Indígenas, Estilo, Arte etc. Você se superou nesta matéria, que pode até ser considerado digna de um trabalho de Mestrado e/ou Doutorado e tenho certeza de que esclareceu de finitamente os pontos que podem ser verificados. 🙂

      • @Marco Faustino , eu compreendo. São vários GRUPOS SENSÍVEIS envolvidos em sua matéria: negros, mulheres, feministas, indígenas etc. Muitas vezes a Verdade junto com a Realidade é CRUEL, AMARGA, DOLOROSA, INCONVENIENTE etc e pode machucar e MUITO os sentimentos e/ou crenças das pessoas que, eventualmente, podem REAGIR VIOLENTAMENTE. O autor deve entregar a Verdade e os Fatos da melhor maneira possível de forma GENTIL ao abordar tais assuntos que podem ser verdadeiros VESPEIROS, como você disse anteriormente. 😉

  2. @Marco Faustino, nossa! Estou PASMA com a quantidade e a qualidade das informações que você coletou nesta sua matéria a respeito de História, Escravidão, Cultura, Indígenas, Estilo, Arte etc. Você se superou nesta matéria, que pode até ser considerado digna de um trabalho de Mestrado e/ou Doutorado e tenho certeza de que esclareceu de finitamente os pontos que podem ser verificados. 🙂

      • @Marco Faustino , eu compreendo. São vários GRUPOS SENSÍVEIS envolvidos em sua matéria: negros, mulheres, feministas, indígenas etc. Muitas vezes a Verdade junto com a Realidade é CRUEL, AMARGA, DOLOROSA, INCONVENIENTE etc e pode machucar e MUITO os sentimentos e/ou crenças das pessoas que, eventualmente, podem REAGIR VIOLENTAMENTE. O autor deve entregar a Verdade e os Fatos da melhor maneira possível de forma GENTIL ao abordar tais assuntos que podem ser verdadeiros VESPEIROS, como você disse anteriormente. 😉

  3. Eu não consigo ver nenhum “mapa” e/ou sementes nos penteados dessas mulheres que parecem ser mais puro estilo e/ou cultura. Se tivesse, ao menos, uma comparação direta com um mapa real e com a topografia de um terreno (sobreposição de imagens), talvez isso pudesse ser confirmado mas, mesmo assim, poderia ser mera coincidência ou pareidolia. É uma estória (com “e”) e tanto, mas acho que é pura FANTASIA, além do mais, essa página do Facebook “Madalena sem filtro” parece ser Feminista e dedicada ao “empoderamento feminino”. 😐

  4. Por incrível que pareça essa estória sobre o penteado me lembra, de certa forma, do filme Homem de Ferro 2 (2010) no qual o pai de Tony Stark escondeu um novo Elemento Químico para substituir o Paládio na maquete e/ou na topografia das Indústrias Stark. Achei meio “forçado”, mas legal pra caramba, afinal, é um filme de Ficção. 😉 KKKKKKKKKKKKKK! 😀

  5. Eu não consigo ver nenhum “mapa” e/ou sementes nos penteados dessas mulheres que parecem ser mais puro estilo e/ou cultura. Se tivesse, ao menos, uma comparação direta com um mapa real e com a topografia de um terreno (sobreposição de imagens), talvez isso pudesse ser confirmado mas, mesmo assim, poderia ser mera coincidência ou pareidolia. É uma estória (com “e”) e tanto, mas acho que é pura FANTASIA, além do mais, essa página do Facebook “Madalena sem filtro” parece ser Feminista e dedicada ao “empoderamento feminino”. 😐

  6. Por incrível que pareça essa estória sobre o penteado me lembra, de certa forma, do filme Homem de Ferro 2 (2010) no qual o pai de Tony Stark escondeu um novo Elemento Químico para substituir o Paládio na maquete e/ou na topografia das Indústrias Stark. Achei meio “forçado”, mas legal pra caramba, afinal, é um filme de Ficção. 😉 KKKKKKKKKKKKKK! 😀

  7. Eu me chamo Alexandre Mendes, meu sobrenome vem da região que Quixeramobim interior do Ceará lar de Antonio Mendes Maciel mas, vocês podem chama lo de Antônio Conselheiro. Sou descendente direto dele porém, vocês só tem a minha palavra!

    Então assim como colocado na materia do Marcos eu sei que descendo do lugar e com certeza tenho parentesco com esse personagem mas, como não ha documentação que comprove não tenho pelo que fazer palanque! Já esse pessoal do empoderamento, se apega a qualquer coisa para validar aquilo que sequer precisa ser!

    • Texto que possui um esforço para ser isento. Mas é preciso ter cuidado. Nenhuma ciência é neutra. A entrevista enquanto instrumento de levantamento de dados ė legitimada pela ciência. Me preocupa muito ter as evidências identificadas por uma cientista, como a Nilma,ser classificada como percepção, numa clara tentativa de tornar o seu argumento puramente subjetivo, nada científico. E mais ainda, utilizar tantas vezes o termo “anedota” para se referir a uma tradição cultural da oralidade, quando sabemos que tudo que conhecemos do filósofo Socrates, por ezempli, partiu unicamente do que o seu discípulo, Platão deixou escrito. Suas obras nunca foram consideradas anedotas. Recomendo rever a abordagem, especificamente com relação aos cientistas negros e mulheres.

      • @Geruza , não, eu acho que não precisa rever neste quesito, pois Marco Faustino teve o bom senso de classificar essa informação (evidência anedóticas) como INDETERMINADO (leia a Conclusão), i.e., nem Falso, nem Verdadeiro. 😉

      • @Geruza , a EVIDÊNCIA ANEDÓTICA ou relato testemunhal não é considerada evidência científica em algumas áreas. Entretanto, para a História como Ciência, a evidência anedótica tem a sua importância, PORÉM, sozinha e de forma isolada se torna frágil e/ou inútil, pois é preciso OUTRAS EVIDÊNCIAS EXTERNAS para apoiar, comprovar e validá-la como, por exemplo, cruzamento de dados em textos, livros, registros etc antigos (textos de Platão que você mencionou), mapas, achados arqueológicos etc. 😉

      • @Geruza , Nota: INDEPENDENTEMENTE se você for uma cientista mulher, negra, verde, vermelha, marciana, vulcana, Klingon etc, ok? Basta que você traga evidências e/ou PROVAS ROBUSTAS! 😉

      • Olá Geruza,

        Desculpe a demora em lhe responder, uma vez que estive ocupado durante todo o fim de semana.

        1) Sinceramente, não sou o tipo da pessoa que tenta promover essa espécie de “apartheid cultural” sugerido por você. Por mim tanto faz se o autor de um artigo ou estudo é branco, negro, mulato, homem, mulher, transgênero ou alguém que não faz ideia de quem seja. A cor da pele, gênero e etnia pouco me importam. Em relação a esses quesitos dou o mesmo tratamento. Não há desculpas para trabalhos mal feitos ou tentativas forçadas e esdrúxulas de perpetrar narrativas. As palavras negro, branco, homem e mulher, jamais deveriam atuar como agentes qualificadores para artigos ou estudos científicos. Ser bom ou ruim não depende da cor da pele e nem o que ela abriga. Logo, não é porque algo é feito por negros sobre negros que tem que ser necessariamente aplaudido de pé e nem feito por brancos para negros que deve ser automaticamente menosprezado. Promover isso, sem a análise do material produzido, é promover um “apartheid cultural”.

        2) Posto isso, a menção a Nilma em meu texto foi referente ao trecho que consta no artigo “Conhecimentos Etnomatemáticos Produzidos Por Mulheres Negras Trançadeiras” da Revista da ABPN, na página 132. A autora do artigo, Luane Bento dos Santos, diz: “A partir das considerações trazidas por Gomes (Ibidem) podemos perceber que as preocupações dos(as) africanos(as) com o corpo e os cabelos são muito antigas e não se iniciaram no ‘Novo Mundo’, pelo contrário, aqui elas sofreram novas abordagens, foram transformadas, de acordo, com a violência do sistema escravagista.”

        Em meu artigo, escrevi: “(…) as preocupações dos(as) africanos(as) com o corpo e os cabelos são muito antigas e não se iniciaram no chamado ‘Novo Mundo’. No entanto, elas teriam sofrido novas abordagens e teriam sido transformadas de acordo com a violência do sistema escravagista. Ao menos essa seria a percepção a partir de um livro publicado pela pedagoga brasileira Nilma Lino Gomes, chamado ‘Sem perder a raiz’, em 2006″

        Portanto, apenas transcrevi o que a autora do artigo disse a partir das considerações feitas por Nilma. Acredito que você não tenha lido o artigo.

        3) Não usei uma única vez o termo “anedota” em meu texto, o que utilizei foram “evidências anedóticas”. Acredito que você saiba que existe uma grande diferença entre dizer “anedota” e “evidência anedótica”, não é mesmo? E, usei isso para me referir ao TCC de Lina María Vargas Álvarez, então aspirante ao título de socióloga, de 2003. Além disso, uma coisa é a tradição cultural da oralidade, outra completamente diferente é você dizer que algo aconteceu em um país ou continente inteiro a partir do relato de uma única pessoa. O TCC de María Vargas, isoladamente, não serve como prova que as tranças nagôs foram utilizadas como mapas ou rotas de fuga. É necessário metodologia, cruzamento de informações, qualidade das informações, pesquisa e estudo antropológico para termos todo um conjunto probatório nesse sentido. Conforme disse anteriormente, houve uma generalização apressada para afirmar que isso aconteceu não somente em todo território colombiano, mas em diversos países da América Latina. No entanto, diante da escassez de provas, afirmar isso é incorreto.

        4) Comparar Sócrates com as memórias de conversas que uma única pessoa de 51 anos de idade teve com sua avó dos 3 aos 7 anos de idade é forçar muito a barra. E mesmo que não forçasse, sua afirmação sobre Sócrates está errada. Tudo o que conhecemos não partiu unicamente de Platão, mas de seu outro discípulo Xenofonte, assim como pelas peças teatrais de seu contemporâneo Aristófanes. Resumindo? Não há uma única fonte! Há todo um conjunto probatório indicando fortemente sua existência. E, como se não bastasse, para chegar a essa conclusão foi necessário analisar o material produzido por tais pessoas, verificar a confiabilidade do material, se outras passagens também corroboravam com outros aspectos etc.. Não é simplesmente entrevistar alguém e dizer que algo aconteceu num continente.

        Abraços!

      • Gerusa, concordo com você. O saber popular não pode ser considerado e rotulado como uma “anedota”, que no portugues do Brasil tem sidgnificado de PIADA, ASSUNTO JOCOSO e não acredito que precise este tipo de tratativa. Outro fato é que o TEXTO em nenhum momento infrma sobre a legitimação da história do negro. Ele aponta muito que não há comprovação, textos, seja no Brasil ou Colombia registrando isso, que seja mais antigo que os documentos dos anos 2000, porém estamos num país que foi o último a deixar de ter escravos e que os mesmos eram PROIBIDOS de usar seus nomes de batismo. Todos ganharam JOAO, JOSE, PEDRO, MARIA da SILVA, DOS SANTOS, PEREIRA, OLIVEIRA e nunca pudemos ter nossa história registrada. Se os reis e autoridades africanos na colonização foram escravizados, o que as pessoa acham que fizeram com nossos documentos, registros? Foram destruídos e queimados, por isso pouco se sabe. Que branco neste período via o negro como ser humano/gente para dedicar um estudo e regristro sobre nossa cultura, nossa revolta, nossa luta? Estas histórias infelizmente foram recolhidas muitos seculos depois através das histórias que foram passadas de pai para filhos. Então acredito que o estudo tem seu valor, mas peca em não considerar que o negro sofre até com a validação de sua história simplesmente por não poder comprovar, uma vez que tudo que sobrou, são itens com valor e que foram saqueados de nossa terra. NÃO PODEMOS ACEITAR USAR NOSSA FALA, NOSSA HISTÓRIA QUE FOI PASSADA NESTAS CONVERSAS ENTRE GERAÇÕES COMO PIADA E ACEITAR QUE INVALIDEM POR NÃO HAVER REGISTROS, UMA VEZ QUE O HOMEM BRANCO APAGOU E IMPEDIU QUE NOSSO NOME, HISTÓRIA, LUTAS E CRENÇAS FOSSEM CONHECIDAS OU ATÉ MESMO MANTIDAS ENTRE NOSSO PROPRIO POVO.

      • @Geruza , você tem razão, a Ciência não é neutra (deveria ser). Entretanto ela também NÃO É DOGMÁTICA como a Religião, i.e., ela é ABERTA a novas teorias, discussões, descobertas etc que podem confirmar, refutar parcialmente e ser reeditado ou, até mesmo, ser refutado totalmente e descartar uma teoria anterior, DESDE QUE você traga novos elementos, Provas Robustas, evidências, experiências etc (tudo é claro, através do MÉTODO CIENTÍFICO) para isso. 😉

  8. Eu me chamo Alexandre Mendes, meu sobrenome vem da região que Quixeramobim interior do Ceará lar de Antonio Mendes Maciel mas, vocês podem chama lo de Antônio Conselheiro. Sou descendente direto dele porém, vocês só tem a minha palavra!

    Então assim como colocado na materia do Marcos eu sei que descendo do lugar e com certeza tenho parentesco com esse personagem mas, como não ha documentação que comprove não tenho pelo que fazer palanque! Já esse pessoal do empoderamento, se apega a qualquer coisa para validar aquilo que sequer precisa ser!

    • Texto que possui um esforço para ser isento. Mas é preciso ter cuidado. Nenhuma ciência é neutra. A entrevista enquanto instrumento de levantamento de dados ė legitimada pela ciência. Me preocupa muito ter as evidências identificadas por uma cientista, como a Nilma,ser classificada como percepção, numa clara tentativa de tornar o seu argumento puramente subjetivo, nada científico. E mais ainda, utilizar tantas vezes o termo “anedota” para se referir a uma tradição cultural da oralidade, quando sabemos que tudo que conhecemos do filósofo Socrates, por ezempli, partiu unicamente do que o seu discípulo, Platão deixou escrito. Suas obras nunca foram consideradas anedotas. Recomendo rever a abordagem, especificamente com relação aos cientistas negros e mulheres.

      • @Geruza , não, eu acho que não precisa rever neste quesito, pois Marco Faustino teve o bom senso de classificar essa informação (evidência anedóticas) como INDETERMINADO (leia a Conclusão), i.e., nem Falso, nem Verdadeiro. 😉

      • @Geruza , a EVIDÊNCIA ANEDÓTICA ou relato testemunhal não é considerada evidência científica em algumas áreas. Entretanto, para a História como Ciência, a evidência anedótica tem a sua importância, PORÉM, sozinha e de forma isolada se torna frágil e/ou inútil, pois é preciso OUTRAS EVIDÊNCIAS EXTERNAS para apoiar, comprovar e validá-la como, por exemplo, cruzamento de dados em textos, livros, registros etc antigos (textos de Platão que você mencionou), mapas, achados arqueológicos etc. 😉

      • @Geruza , você tem razão, a Ciência não é neutra (deveria ser). Entretanto ela também NÃO É DOGMÁTICA como a Religião, i.e., ela é ABERTA a novas teorias, discussões, descobertas etc que podem confirmar, refutar parcialmente e ser reeditado ou, até mesmo, ser refutado totalmente e descartar uma teoria anterior, DESDE QUE você traga novos elementos, Provas Robustas, evidências, experiências etc (tudo é claro, através do MÉTODO CIENTÍFICO) para isso. 😉

      • @Geruza , Nota: INDEPENDENTEMENTE se você for uma cientista mulher, negra, verde, vermelha, marciana, vulcana, Klingon etc, ok? Basta que você traga evidências e/ou PROVAS ROBUSTAS! 😉

      • Olá Geruza,

        Desculpe a demora em lhe responder, uma vez que estive ocupado durante todo o fim de semana.

        1) Sinceramente, não sou o tipo da pessoa que tenta promover essa espécie de “apartheid cultural” sugerido por você. Por mim tanto faz se o autor de um artigo ou estudo é branco, negro, mulato, homem, mulher, transgênero ou alguém que não faz ideia de quem seja. A cor da pele, gênero e etnia pouco me importam. Em relação a esses quesitos dou o mesmo tratamento. Não há desculpas para trabalhos mal feitos ou tentativas forçadas e esdrúxulas de perpetrar narrativas. As palavras negro, branco, homem e mulher, jamais deveriam atuar como agentes qualificadores para artigos ou estudos científicos. Ser bom ou ruim não depende da cor da pele e nem o que ela abriga. Logo, não é porque algo é feito por negros sobre negros que tem que ser necessariamente aplaudido de pé e nem feito por brancos para negros que deve ser automaticamente menosprezado. Promover isso, sem a análise do material produzido, é promover um “apartheid cultural”.

        2) Posto isso, a menção a Nilma em meu texto foi referente ao trecho que consta no artigo “Conhecimentos Etnomatemáticos Produzidos Por Mulheres Negras Trançadeiras” da Revista da ABPN, na página 132. A autora do artigo, Luane Bento dos Santos, diz: “A partir das considerações trazidas por Gomes (Ibidem) podemos perceber que as preocupações dos(as) africanos(as) com o corpo e os cabelos são muito antigas e não se iniciaram no ‘Novo Mundo’, pelo contrário, aqui elas sofreram novas abordagens, foram transformadas, de acordo, com a violência do sistema escravagista.”

        Em meu artigo, escrevi: “(…) as preocupações dos(as) africanos(as) com o corpo e os cabelos são muito antigas e não se iniciaram no chamado ‘Novo Mundo’. No entanto, elas teriam sofrido novas abordagens e teriam sido transformadas de acordo com a violência do sistema escravagista. Ao menos essa seria a percepção a partir de um livro publicado pela pedagoga brasileira Nilma Lino Gomes, chamado ‘Sem perder a raiz’, em 2006″

        Portanto, apenas transcrevi o que a autora do artigo disse a partir das considerações feitas por Nilma. Acredito que você não tenha lido o artigo.

        3) Não usei uma única vez o termo “anedota” em meu texto, o que utilizei foram “evidências anedóticas”. Acredito que você saiba que existe uma grande diferença entre dizer “anedota” e “evidência anedótica”, não é mesmo? E, usei isso para me referir ao TCC de Lina María Vargas Álvarez, então aspirante ao título de socióloga, de 2003. Além disso, uma coisa é a tradição cultural da oralidade, outra completamente diferente é você dizer que algo aconteceu em um país ou continente inteiro a partir do relato de uma única pessoa. O TCC de María Vargas, isoladamente, não serve como prova que as tranças nagôs foram utilizadas como mapas ou rotas de fuga. É necessário metodologia, cruzamento de informações, qualidade das informações, pesquisa e estudo antropológico para termos todo um conjunto probatório nesse sentido. Conforme disse anteriormente, houve uma generalização apressada para afirmar que isso aconteceu não somente em todo território colombiano, mas em diversos países da América Latina. No entanto, diante da escassez de provas, afirmar isso é incorreto.

        4) Comparar Sócrates com as memórias de conversas que uma única pessoa de 51 anos de idade teve com sua avó dos 3 aos 7 anos de idade é forçar muito a barra. E mesmo que não forçasse, sua afirmação sobre Sócrates está errada. Tudo o que conhecemos não partiu unicamente de Platão, mas de seu outro discípulo Xenofonte, assim como pelas peças teatrais de seu contemporâneo Aristófanes. Resumindo? Não há uma única fonte! Há todo um conjunto probatório indicando fortemente sua existência. E, como se não bastasse, para chegar a essa conclusão foi necessário analisar o material produzido por tais pessoas, verificar a confiabilidade do material, se outras passagens também corroboravam com outros aspectos etc.. Não é simplesmente entrevistar alguém e dizer que algo aconteceu num continente.

        Abraços!

      • Gerusa, concordo com você. O saber popular não pode ser considerado e rotulado como uma “anedota”, que no portugues do Brasil tem sidgnificado de PIADA, ASSUNTO JOCOSO e não acredito que precise este tipo de tratativa. Outro fato é que o TEXTO em nenhum momento infrma sobre a legitimação da história do negro. Ele aponta muito que não há comprovação, textos, seja no Brasil ou Colombia registrando isso, que seja mais antigo que os documentos dos anos 2000, porém estamos num país que foi o último a deixar de ter escravos e que os mesmos eram PROIBIDOS de usar seus nomes de batismo. Todos ganharam JOAO, JOSE, PEDRO, MARIA da SILVA, DOS SANTOS, PEREIRA, OLIVEIRA e nunca pudemos ter nossa história registrada. Se os reis e autoridades africanos na colonização foram escravizados, o que as pessoa acham que fizeram com nossos documentos, registros? Foram destruídos e queimados, por isso pouco se sabe. Que branco neste período via o negro como ser humano/gente para dedicar um estudo e regristro sobre nossa cultura, nossa revolta, nossa luta? Estas histórias infelizmente foram recolhidas muitos seculos depois através das histórias que foram passadas de pai para filhos. Então acredito que o estudo tem seu valor, mas peca em não considerar que o negro sofre até com a validação de sua história simplesmente por não poder comprovar, uma vez que tudo que sobrou, são itens com valor e que foram saqueados de nossa terra. NÃO PODEMOS ACEITAR USAR NOSSA FALA, NOSSA HISTÓRIA QUE FOI PASSADA NESTAS CONVERSAS ENTRE GERAÇÕES COMO PIADA E ACEITAR QUE INVALIDEM POR NÃO HAVER REGISTROS, UMA VEZ QUE O HOMEM BRANCO APAGOU E IMPEDIU QUE NOSSO NOME, HISTÓRIA, LUTAS E CRENÇAS FOSSEM CONHECIDAS OU ATÉ MESMO MANTIDAS ENTRE NOSSO PROPRIO POVO.

  9. Para mim, tipo caucasiano, acho lindo demais, uma obra de arte, que deixa a pessoa muito bonita, muito mais linda, que cabelos alisados, independentemente da origem dessa arte de embelezamento.

  10. Para mim, tipo caucasiano, acho lindo demais, uma obra de arte, que deixa a pessoa muito bonita, muito mais linda, que cabelos alisados, independentemente da origem dessa arte de embelezamento.

  11. Olá Marcos, gostaria de fazer uma correção. a foto que você diz ser um quilombo não identificado, é na verdade um dos tipos de senzala, alguns escravos com funções importantes dentro do esquema do açúcar podiam ter uma pequena casa com sua família, seria até uma forma de evitar a fuga, já que ele recebia esse “benefício”. obviamente todos continuavam escravos.

    No mais, excelente texto.

    • Olá Luan! Agradeço pela observação! Já corrigi a informação! Sinceramente, nem sei exatamente porque coloquei como se fosse um quilombo não identificado, visto que claramente há uma senhora branca numa varanda ao fundo. Curiosamente, essa imagem circula inadvertidamente como uma representação de Quilombo dos Palmares em diversos sites na internet.

  12. Olá Marcos, gostaria de fazer uma correção. a foto que você diz ser um quilombo não identificado, é na verdade um dos tipos de senzala, alguns escravos com funções importantes dentro do esquema do açúcar podiam ter uma pequena casa com sua família, seria até uma forma de evitar a fuga, já que ele recebia esse “benefício”. obviamente todos continuavam escravos.

    No mais, excelente texto.

    • Olá Luan! Agradeço pela observação! Já corrigi a informação! Sinceramente, nem sei exatamente porque coloquei como se fosse um quilombo não identificado, visto que claramente há uma senhora branca numa varanda ao fundo. Curiosamente, essa imagem circula inadvertidamente como uma representação de Quilombo dos Palmares em diversos sites na internet.

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