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terça-feira, abril 16, 2024

Criado-mudo era o nome dado a escravos que ficavam ao lado da cama dos senhores?

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Publicações do Dia da Consciência Negra trazem de volta a afirmação de que o móvel conhecido como criado-mudo surgiu da época dos escravizados no Brasil! Será verdade?

No dia 20 de novembro se comemora o Dia da Consciência Negra. Dedicada à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira, a comemoração foi instituída em 2011 e o dia foi escolhido para coincidir com a data da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.

Todo ano nessa data, as redes sociais são bombardeadas de publicações sobre essa temática como essa, que afirma que aquele móvel que fica ao lado da cama se chama “criado-mudo” ou “criado mudo” em referência ao tempo da escravatura no Brasil, quando – de acordo com as várias versões dessa história – um escravizado ocupava o lugar.

Ainda segundo o que se espalhou também em vários grupos de WhatsApp, o escravo tinha a sua língua cortada para não falar para ninguém o que via no quarto de “seus donos” à noite, daí o nome criado-mudo, que teria sido cunhado em 1820!

Será que isso é verdade mesmo?

Publicações afirmam que o termo “criado-mudo” foi criado na época da escravidão para designar o escravizado que tinha sua língua arrancada para ficar em silêncio ao lado da cama de seus “donos”! Será verdade? (foto: Reprodução/Freepik)

Verdade ou mentira?

Fizemos algumas buscas nos principais dicionários da língua portuguesa, como o Infopédia, Michaelis, Dicio e outros pelo termo “criado-mudo” e não encontramos nenhuma menção a escravos, criados sem língua ou coisa do tipo. Na grande maioria, a definição para o verbete é:

“pequeno móvel, junto à cabeceira da cama, onde se colocam e guardam os objetos de que se pode precisar principalmente durante a noite”

O termo não existe no Diccionario da lingua brasileira, de Luiz Maria da Silva Pinto, publicado em 1832. Naquela época, o móvel que ficava ao lado da cama era chamado de donzella:

Ao que tudo indica, essa história de que criado-mudo seria um termo que referencia à época da escravidão no Brasil surgiu em uma ação de marketing de uma rede de lojas de móveis, realizada em 2019. O curioso é que se fizermos uma busca no Google em publicações sobre o assunto, vamos descobrir que antes de 2019 ninguém havia falado sobre isso…  

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No gráfico abaixo, extraído do Google Trends – ferramenta que monitora os termos buscados no Google – podemos ver que ninguém havia associado (ou publicado) o móvel criado-mudo aos escravizados antes de 2019:

Imagem: Reprodução/Google Trends

Criado não era escravo

Além da falta de fontes sobre essa possível associação, é importante lembrar que o termo “criado” não era usado para designar os escravizados naquela época. No Diccionario da lingua portugueza, publicado por Adolpho Modesto em 1890, o verbete aparece nas páginas 564 e 565, e se refere àquela pessoa que é educada em casa por alguém da família ou às crianças de famílias pobres que eram “adotadas” temporariamente por famílias mais abastadas para se aprofundarem nos estudos em troca de trabalhos caseiros. É possível que muitas dessas crianças foram exploradas pelos seus tutores, mas não encontramos nada relacionado a escravos no sentido usado nas publicações atuais.

Possível origem

De acordo com o site Origem da Palavra, o termo “criado-mudo” vem do inglês “dumbwaiter” (ou “criado abobado”), um móvel inventado na Inglaterra onde se colocavam os materiais para o chá, dispensando a presença da criadagem que fatalmente acabava se inteirando das situações escabrosas da família.

Fotos: Reprodução

Inicialmente, os dumbwaiters eram um tipo de mini-elevador usado para levar e trazer utensílios de um pavimento ao outro nas mansões. Em algum momento, alguém achou que um equipamento como esse que serve as pessoas como um garçom deveria se chamar “garçom” e como ele só sabia subir e descer, era meio abobalhado e limitado (e não falava), o nome pegou.

Logo o termo passou a ser usado também praquele móvel que ao lado da cama e, pouco tempo depois, acabou se transformando em “nightstand”.

Conclusão

Não encontramos provas de que o termo “criado-mudo” seja alguma referência à época escravagista no Brasil. Tudo indica que isso começou em uma campanha de marketing feita em 2019 para uma rede de lojas de móveis.

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Gilmar Lopes
Gilmar Henrique Lopes é Analista de Sistemas. Trabalha com PHP e banco de dados Oracle e é especializado em criação de ferramentas para Intranet. Em 2002, criou o E-farsas.com (o mais antigo site de fact checking do país!) que tenta desvendar os boatos que circulam pela Web. Gilmar também tem um espaço semanal dentro do programa “Olá, Curiosos!” no YouTube e co-apresenta o Fake em Nóis ao lado do biólogo Pirulla! Autor do livro de ficção Marvin e a Impressora Mágica!

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