Fotos mostram o comportamento da população durante pandemias anteriores?
Recentemente, um determinado usuário, no Facebook, resolveu fazer uma publicação questionando o otimismo de algumas pessoas que estariam acreditando, que a vida voltará ao normal ainda este mês ou no mês que vem (arquivo). Como comparação, foram citadas a “Peste Negra” e a Gripe Espanhola. O usuário afirmou que a primeira acabou com 70% da população da Europa e durou 7 anos (1346-1353). Já a segunda, de acordo com ele, matou mais de 50 milhões de pessoas e durou dois anos (1918-1920).
Além disso, o usuário também publicou quatro fotos para ilustrar a mudança no comportamento dessas pessoas nos referidos períodos.
Confira abaixo a publicação:
Para vocês terem uma ideia, durante a a criação deste artigo, a publicação já tinha sido compartilhada mais de 20.000 vezes!
Entretanto, será que as fotos retratam o comportamento da população durante a Peste Negra e a Gripe Espanhola? A atual pandemia irá causar o mesmo impacto, em relação a duração e número de vítimas, das pandemias citadas? Descubra agora, aqui, no E-Farsas!
Atualização – 19/07/2020
Fizemos um vídeo com um resumão de explicações sobre essas e outras fotos antigas de pessoas usando máscara:
Verdadeiro ou Falso?
Três das quatro fotos publicadas pelo usuário não foram tiradas durante as pandemias da “Peste Negra” ou da Gripe Espanhola. Aliás, as três não possuem qualquer relação com nenhuma pandemia anterior. Acreditamos que, em relação a Peste Negra, não haja muitas dúvidas, visto que a fotografia ainda não havia sido inventada no século XIV. A maior dúvida poderia recair sobre a Gripe Espanhola, uma vez que ocorreu entre os anos de 1918 e 1920.
Enfim! Vamos comentar rapidamente sobre cada uma das fotos!
Foto de um Casal se Beijando com Máscaras
De acordo com o repositório “Getty Images” essa foto foi tirada em 1937. Segundo a descrição, naquele ano teria ocorrido uma epidemia de gripe, especificamente em Hollywood (não se tratou de uma pandemia), e os atores ensaiavam as cenas de beijos usando máscaras de proteção numa “tentativa de impedir a propagação do vírus da gripe”.
Na foto aparecem a atriz Betty Furness e o ator Stanley Morton.
Atualmente seria impensável adotar essa prática, visto que a medida é bem ineficaz. Aliás, isso já era bem ineficaz, na época, porque na gravação da cena final não eram utilizadas máscaras!
Cabe ressaltar, que essa foto também apareceu na capa da revista norte-americana “Look”, em agosto de 1937 (o artigo acima é da revista)…
…e foi reencenada na capa da edição portuguesa da revista “Vogue”, em abril de 2020:
Portanto, a foto não tem nenhuma relação com a “Peste Negra” ou a Gripe Espanhola, tampouco retrata o comportamento da população norte-americana em 1937.
Atualização 27/08/2020
Apresentamos um resumo desse caso na nossa participação semanal no programa “Olá, Curiosos”:
Encontramos uma Outra Foto Semelhante
Aparentemente, a adoção de máscaras em sets de filmagens, em Hollywood, era algo esporádico durante epidemias de gripe, embora isso, na prática, fosse bem inútil.
Foto de Crianças Brincando e Usando Máscaras
A foto de crianças brincando e usando máscaras não foi tirada durante nenhuma pandemia, mas por volta de 1941, na Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial! As crianças, inclusive, estão usando máscaras de gás.
É importante ressaltar que as crianças não usavam rotineiramente tais máscaras. Elas usavam durante treinamentos ou em alguma situação muito específica, que visava prepará-las para um eventual ataque inimigo. Curiosamente, nunca houve um ataque dessa natureza (com a utilização de gás) contra Londres, logo a eficácia dos treinamentos nunca pode ser comprovada.
Foto de Enfermeiras Segurando Bebês com Máscaras
Novamente, a foto de enfermeiras segurando bebês com máscaras faz parte do contexto da Segunda Guerra Mundial, na Inglaterra, e teria sido tirada por volta de 1940.
São três enfermeiras que aparecem segurando bebês utilizando máscaras — especialmente criadas para os bebês — durante uma simulação de ataque com gás num hospital em Londres. Em primeiro plano, vemos que a máscara possuía uma alça para que o transporte dos bebês fosse facilitado.
Durante nossa pesquisa encontramos diversas outras fotos, que retratam exatamente essa situação.
Foto de uma Família, Incluindo um Gato, Usando Máscaras
Essa foto é um pouco mais complexa e já foi alvo de investigação por parte do site de checagem chamado “Truth or Fiction“, em abril de 2020.
Segundo a análise do “Truth or Fiction“, a foto é verdadeira (não há indícios de manipulação digital) e data do período da pandemia da Gripe Espanhola, nos Estados Unidos. A foto teria sido tirada por volta de 1920, na cidade de Dublin, no Estado da Califórnia.
“EPIDEMIA DE GRIPE, 1920. Em 1919, a pandemia de gripe matou entre 20 e 40 milhões de pessoas. O medo de contrair esse vírus mortal era tão grande, que pessoas de lugares tão distantes quanto Dublin tomavam todas as precauções que podiam para se proteger“
Originalmente, a foto pertenceria a coleção do Museu do Patrimônio de Dublin, que teria feito essa contribuição ao Calisphere em 2007. Em 2013, no entanto, essa foto apareceu associada a cidade californiana de Pleasanton, numa publicação de um museu local.
Enfim! Independentemente do local que foto foi tirada, nessa outra publicação também houve a alegação de que ela retratasse o período da pandemia de Gripe Espanhola, nos Estados Unidos. Portanto, das quatro fotos que fazem parte da recente publicação do Facebook — objeto de nossa análise — apenas essa última pode ser associada a uma pandemia.
O Alarmismo Gerado Pela Publicação Procede?
Em relacão ao texto que acompanha as imagens, tudo indica que o mundo não voltará a ser como era antes neste mês de maio ou no mês que vem. Há quem diga, inclusive, que o mundo nunca mais será como era antes. Isso não quer dizer, no entanto, que teremos a quantidade absurda de mortos das pandemias citadas ou que a atual pandemia irá necessariamente durar o mesmo tempo das demais. Tudo depende de encontrarmos, em tempo hábil, um tratamento ou uma vacina eficaz e segura, e das medidas que já foram ou vêm sendo tomadas ao redor do mundo para conter o avanço do novo coronavírus.
É interessante destacar nesse ponto, que houve um estudo — objeto de muita polêmica — indicando que, sem nenhum tratamento disponível, as medidas de distanciamento social em razão do novo coronavírus poderiam ser necessárias até 2022. Um dos cenários simulados no estudo previa que, na ausência de um tratamento, uma nova onda do COVID-19 poderia acontecer em um futuro tão distante quanto 2025. Contudo, é bom deixar claro, que o estudo trata de simulações. Havendo um tratamento ou vacina, tudo muda.
Os Números da Gripe Espanhola
Segundo o site “Invivo” (misto de museu virtual e revista de divulgação científica), da Fiocruz, a gripe espanhola (vírus Influenza) – como ficou conhecida devido ao grande número de mortos na Espanha – apareceu em duas ondas diferentes durante 1918. Na primeira, em fevereiro, embora bastante contagiosa, era uma doença branda não causando mais que três dias de febre e mal-estar. Já na segunda, em agosto, tornou-se mortal. Enquanto a primeira onda de gripe atingiu especialmente os Estados Unidos e a Europa, a segunda devastou o mundo inteiro: também caíram doentes as populações da Índia, Sudeste Asiático, Japão, China e Américas Central e do Sul.
Ainda segundo o “Invivo” as estimativas do número de mortos em todo o mundo durante a pandemia de gripe em 1918-1919 variam entre 20 e 40 milhões. Contudo, essa estimativa pode variar ainda mais dependendo do estudo que você quiser considerar. Há estudos apontando desde 50 milhões até 100 milhões de mortos. Há quem também quem diga, que houve uma terceira onda em alguns poucos países e, inclusive, há quem acredite numa quarta onda em 1920.
Os Números da “Peste Negra”
De acordo com Lucille Blumberg, vice-diretora do Instituto Nacional de Doenças Transmissíveis da África do Sul, atualmente a doença é chamada apenas de “Peste”. “Peste Negra” ou “Morte Negra” são termos referentes ao que ocorreu na Idade Média, quando a doença matou milhões de pessoas na Europa. Na época, os dedos das mãos e dos pés das pessoas podiam ficar negros devido à infecção no sangue. Porém, isso foi antes da era dos antibióticos. Atualmente, a peste é uma doença tratável com antibióticos comumente usados.
Assim como no caso da Gripe Espanhola, a estimativa sobre o número de mortos da pandemia ocorrida no século XIV varia. As estimativas variam entre 75 e 200 milhões de mortes. Estudiosos mais conservadores estimam que a população mundial de 450 milhões teria caído para 350 a 370 milhões. Cerca de 80% iam a óbito em uma semana, proporção que aumentava para 90% quando havia comprometimento pulmonar e beirava 100% nos casos de septicemia.
Uma Bactéria
A peste é causada por uma bactéria, a Yersinia pestis — uma bactéria zoonótica geralmente encontrada em pequenos mamíferos (tais como ratos, esquilos, coelhos, marmotas, entre outros) e suas pulgas. A doença até hoje é transmitida entre animais e humanos através da mordida de pulgas infectadas, do contato direto com tecidos ou materiais infectados, e da inalação de gotículas respiratórias infectadas de pacientes com peste pneumônica (tosse, espirro ou pelo simples ato de falar).
A Letalidade da Peste
Atualmente, se não tratada, a peste, em sua forma bubônica, possui uma letalidade que varia entre 30 a 60%. Sem tratamento, sua forma pulmonar possui uma letalidade que beira os 100%. Portanto, o diagnóstico e o tratamento precoce ajudam e muito a salvar vidas. Ainda assim, somente entre 2010 e 2015 foram identificados 3.248 casos em todo o mundo, que resultaram em 584 óbitos. Num surto ocorrido em Madagascar, em 2017, 2.417 pessoas contraíram a doença, e 209 morreram.
No Brasil, o último registro em seres humanos é de 2005.
Conclusão
Três das quatro fotos publicadas pelo usuário não foram tiradas durante as pandemias da “Peste Negra” ou da Gripe Espanhola. Aliás, as três não possuem qualquer relação com nenhuma pandemia anterior
Em relacão ao texto que acompanha as imagens, tudo indica que o mundo não voltará ao que era antes neste mês de maio ou no mês que vem. Há quem diga, inclusive, que nunca mais será como era antes. Isso não quer dizer, no entanto, que teremos a quantidade absurda de mortos das pandemias citadas ou que a atual pandemia irá necessariamente durar o mesmo tempo das demais. Tudo depende de encontrarmos, em tempo hábil, um tratamento ou uma vacina eficaz e segura, e das medidas que já foram ou vêm sendo tomadas ao redor do mundo para conter o avanço do novo coronavírus.